Poucos sabem, mas no coração de Roma — a poucos metros do Senado — existe um espaço onde pulsa também um pedaço do Brasil.
É a Fundação Lelio e Lisli Basso – ISSOCO, criada em 1973 e reconhecida por decreto presidencial no ano seguinte, uma entidade sem fins lucrativos dedicada à pesquisa, formação e promoção cultural nos campos dos direitos humanos, dos povos, da democracia, do meio ambiente e dos bens comuns.
A Fundação abriga uma biblioteca especializada com cerca de 130 mil volumes e um arquivo histórico de enorme relevância, que preserva mais de meio século de engajamento civil e político na Itália e no mundo.
Entre as muitas histórias guardadas em suas prateleiras e arquivos, o vínculo com o Brasil representa um capítulo de rara riqueza e humanidade. Embora nem sempre visível como um “projeto brasileiro” formal, esse laço se manifesta em diferentes frentes: na documentação das violações de direitos humanos durante a ditadura militar, na participação no Segundo Tribunal Russell (1974–1976) — que investigou abusos em diversos países da América Latina — e em iniciativas de memória, solidariedade e cooperação cultural.
Eventos como O Brasil ontem e hoje: direitos e memória entre dois séculos e colaborações institucionais — entre elas, a apresentação do livro Fuori Classe. Vent’anni di Scuola di giornalismo Lelio Basso no Instituto Guimarães Rosa / Embaixada do Brasil em Roma (16 de outubro de 2025) — confirmam a vitalidade de um diálogo contínuo entre Itália e Brasil, sustentado por valores democráticos e pela defesa dos direitos dos povos.
Nesse mesmo horizonte histórico e ético se insere o livro Lettere a un amico. Cronache di liberazione al femminile plurale (Cartas a um amigo. Crônicas de libertação no feminino plural), de Linda Bimbi, publicado pela Marietti 1820 em 1990.
A obra reúne uma série de cartas que a autora — engajada durante décadas entre a Itália e a América Latina — dirige a um interlocutor simbólico: um “amigo” com quem partilha reflexões, dúvidas e experiências. O resultado é uma escrita íntima e política ao mesmo tempo, que transforma a correspondência em ferramenta de testemunho e libertação coletiva.
As “crônicas de libertação no feminino plural” revelam o percurso de uma mulher e de uma geração que viveu a fé e a política como espaços inseparáveis de justiça. Através de sua escrita, Bimbi tece uma rede de vozes e rostos — mulheres, camponeses, comunidades de base — que lutaram contra a opressão e reinventaram o sentido de solidariedade.
A forma epistolar reforça o diálogo como prática política: o “amigo” é cada leitor disposto a escutar, compreender e transformar-se.
Em muitas dessas páginas, ecoa o Brasil da ditadura, onde Linda Bimbi atuou ao lado de missionários e ativistas em defesa dos direitos humanos. Seu olhar solidário constrói uma ponte entre o pensamento europeu e a experiência latino-americana, um elo que atravessa o tempo e encontra eco na própria missão da Fundação Basso.
Assim, Lettere a un amico torna-se mais que um livro: é um testemunho vivo de uma história compartilhada.
A escrita de Bimbi, como a ação da Fundação Basso, nos recorda que toda libertação começa no diálogo — e que, mesmo em Roma, entre os muros silenciosos de um palácio próximo ao Senado, sobrevive e resiste um pedaço do Brasil, feito de memória, luta e esperança.

