Poucos lugares em Nápoles conseguem unir beleza e inquietação como o Palazzo Donn’Anna, aquele gigante inacabado que repousa sobre o mar de Posillipo. Quem o vê pela primeira vez – janelas vazias, paredes ruídas, escadas que não levam a lugar nenhum – sente que ali falta algo, ou que talvez nunca devesse ter existido completamente.
Construído no século XVII, o palácio nasceu de um sonho grandioso da poderosa Anna Carafa, Duquesa de Stigliano, casada com o então vice-rei de Nápoles. Mas desde o início, o destino parecia resistir: obras interrompidas, gastos excessivos, intrigas políticas, mortes repentinas. E, claro, a lenda que transformaria o palácio em um dos cenários mais misteriosos da cidade.
Donn’Anna era uma figura fascinante: carismática, influente, austera e ao mesmo tempo envolta em rumores e ciúmes da corte napolitana. As más línguas falavam de encontros secretos, rivais amorosos, invejas e disputas que mal se distinguiam entre verdade e invenção. Mas foi durante uma festa no palácio que, segundo a lenda, o destino de Donn’Anna mudaria para sempre.
A história mais famosa envolve Mercedes de las Torres, uma jovem espanhola que, diziam, frequentava o palácio como protegida – ou como rival – de Donn’Anna. Numa noite de música e mascarados, Mercedes teria desaparecido misteriosamente entre as salas ainda incompletas, e o mar sob as arcadas teria engolido seu corpo sem nunca devolvê-lo.
Desde então, contam os pescadores de Posillipo que, em certas noites, uma figura pálida surge entre as ruínas do palácio, molhada, silenciosa, olhando para quem se atreve a lançar o olhar de volta. Alguns dizem que é Mercedes. Outros juram que é o espírito inquieto da própria Donn’Anna, que teria morrido atormentada, incapaz de concluir o palácio que deveria eternizar seu nome.
A arquitetura do palácio contribui para a atmosfera sobrenatural. As fundações se confundem com o mar; as ondas entram nas antigas caves como se fossem corredores de outra época. Quando o vento muda, o interior ruído produz sons que parecem passos, lamentos, portas que batem sem mão humana. Nápoles jamais concluiu o palácio e talvez seja justamente isso a torná-lo tão magnético: um monumento ao que ficou suspenso, ao que não se disse, ao que não se completou.
Os historiadores concordam em apenas uma coisa: o palácio sempre foi palco de paixões, ambições e rivalidades. Se desaparecimentos e fantasmas são invenção ou memória distorcida, ninguém pode afirmar. Mas as lendas sobreviveram porque o cenário é perfeito: monumental, dramático, ferido pelo tempo. E, como sempre em Nápoles, a fronteira entre realidade e mito é apenas uma linha tênue desenhada pelo mar.
Hoje, quem passa pela orla de Posillipo vê o palácio como um gigante adormecido, com o mar batendo nas paredes como um velho confidente. Pisar ali – entre escadas quebradas, janelas vazias e salas que não existem mais – é sentir que cada pedra guarda um suspiro, um segredo, um resto de história que se recusa a desaparecer.
O Palácio Donn’Anna continua sendo um dos lugares mais fotogênicos da cidade. Mas, para quem conhece suas histórias, é muito mais: um templo da melancolia, um altar da incompletude, um miradouro para o invisível.
Sombras de Nápoles: A maldição do Palácio Donn’Anna: o fantasma da Condessa e o mar de Nápoles que guarda segredos

