A história da Peck coincide com a história mais profunda de Milão. Não porque acompanhe superficialmente as tendências da cidade, mas porque capta suas transformações estruturais: o dinamismo do fim do século XIX, a ambição da burguesia emergente, a ferida da guerra, a euforia do milagre econômico e, por fim, os desafios da globalização contemporânea. Peck não observa Milão de fora. Ela é Milão.
A marca nasce em uma cidade que ainda está aprendendo a se reconhecer como capital moderna. Milão cresce, constrói, olha para a Europa e deseja pertencer a ela. Vinda de Praga, a Peck encontra um terreno fértil, atento à qualidade, aberto à inovação, exigente no gosto. O prestígio cresce rapidamente até alcançar, em 1890, o reconhecimento mais cobiçado da época: fornecedora oficial da Casa Real. O selo dos Savoia transforma a gastronomia da via Spadari em endereço obrigatório para aristocratas e alta burguesia. Comprar na Peck deixa de ser um hábito e se torna uma declaração social.
O verdadeiro salto acontece no início do século XX. Eliseo Magnaghi, empresário culto e visionário, entende que Milão está mudando de pele e que a Peck precisa mudar com ela. Ele adquire o negócio e transfere a loja para a via Spadari, a poucos passos do Duomo. A escolha não é apenas logística, mas simbólica. A oferta se amplia com massas frescas e pratos prontos, antecipando necessidades que ainda não tinham nome. O serviço passa a ser central, quase sagrado. É 1912 e nasce uma filosofia que nunca será abandonada: excelência absoluta como forma de respeito ao cliente.
Nos anos 1930, a Peck deixa de ser apenas uma delicatessen. Torna-se um salão cultural. Um espaço onde a comida é linguagem, encontro, provocação intelectual. Surge o Sbaffing Club, uma confraria irônica e sofisticada que reúne alguns dos principais nomes da cultura milanesa. Entre eles, o dramaturgo Dario Niccodemi, o jornalista Arnaldo Fraccaroli, o crítico Renato Simoni. E, acima de todos, Gabriele D’Annunzio. Não apenas o poeta mais célebre de seu tempo, mas um profundo conhecedor da boa mesa. É a ele que se devem termos hoje comuns como “tramezzino” e “parrozzo”. Na Peck, comer já é um ato cultural.
Então vem a ruptura. A guerra. Os bombardeios. Milão é profundamente ferida, mas não vencida. A cidade reage e a Peck reage com ela. Em 1956, inicia-se uma nova fase, em pleno boom econômico. A Itália muda hábitos, ritmos, expectativas. Os irmãos Grazioli, novos proprietários, compreendem perfeitamente as exigências da sociedade do milagre italiano. Nasce uma nova ideia de pausa para o almoço: refeições consumidas no balcão, sanduíches gourmet substituindo os almoços longos e pesados, serviço rápido, porém impecável. É uma revolução silenciosa. A qualidade permanece intocável, mas a linguagem se atualiza. A Peck investe em comunicação, antecipa o que hoje chamaríamos de marketing territorial. Conta Milão enquanto Milão aprende a se contar.
Entre as décadas de 1970 e 1990, a Peck se consolida como uma verdadeira boutique do luxo gastronômico. Um estilo reconhecível, feito de discrição, rituais, gestos precisos. Não se entra para aparecer, mas para ser reconhecido. A gastronomia volta a ser código social, pertencimento, identidade.
O novo milênio recompensa a coerência. A Peck se abre ao mundo sem jamais se descaracterizar. Conquista o Japão com 21 pontos de venda, segue para Taiwan e Singapura. Em Milão, em 2001, inaugura o Peck Italian Bar, provando que tradição e contemporaneidade podem coexistir. Em 2013, um novo capítulo se abre com a chegada de Pietro Marzotto, profundo conhecedor do setor alimentar e dos mercados globais. A família Marzotto assume o papel de guardiã de uma filosofia que sempre enxergou na tradição a melhor ponte para o futuro. Nascem o Ristorante Al Peck, o ponto de venda com restaurante em Seul e, em 2015, a consagração definitiva: Peck é o restaurante oficial do Pavilhão Itália na Expo de Milão. A missão é clara contar ao mundo a excelência do Made in Italy.
Desde 2016, a direção passa para Leone Marzotto. Novos pontos de venda surgem em City Life e Porta Venezia, além da chegada à Versília, em Forte dei Marmi, onde a Peck acompanha seus clientes também durante o verão. Sempre, porém, com os pés firmemente plantados na histórica via Spadari.
E há o balcão. O verdadeiro palco cotidiano. O caviar Beluga pedido sem levantar a voz. O champanhe Krug escolhido com segurança. O arroz “al salto” solicitado “porque as crianças também comem”. Os pacotes fechados com a fita amarela sempre na mesma altura. Ninguém pronuncia nomes desnecessários. A orquestrar tudo está Giampaolo Chite, o “Genovese”, o homem que resolve o impossível. Jatos particulares pousam em Linate apenas para fazer compras. Cupons fiscais que ultrapassam 60 mil euros. Mas também livros recebidos como presente, com dedicatórias escritas à mão, guardados como relíquias. Porque a Peck, antes de ser luxo, é memória compartilhada.
Informações
Nome: Peck
Endereço: Via Spadari, 9 – 20123 Milão, Itália
Site: www.peck.it
E-mail: info@peck.it
Horário: Segunda a sábado: 08:00 – 19:30
Domingo: fechado




