Para quem decidiu deixar a própria terra e a própria família em busca da sua história a ser escrita em outro lugar, o tempo do Natal – que, no fim do ano, traz consigo a “pena acessória” da obrigação dos balanços – é muito difícil. Eu chamo isso de “custo da emigração”.
É o preço que todos nós pagamos quando decidimos nos afastar das raízes para ir além.
Aconteceu com milhões de italianos antes de nós, com bilhões de pessoas ao longo da história. E é justamente isso que torna o fardo um pouco mais leve. A migração acompanha a dinâmica da humanidade e da difusão da cultura.
Construir a própria história em outro lugar significa estar pronto a receber novos valores, e também levar consigo a história das origens e, quando possível, divulgá-la no novo destino, para que a memória permaneça viva, para honrar quem nos criou e nos tornou as pessoas corajosas que somos.
Porque partir, aceitar os desafios do mundo, conviver com o imprevisto que a vida oferece é, antes de tudo, isso: coragem.
Para quem como eu cresceu na Campânia e carrega consigo a história de Nápoles e da própria família — contada pela minha avó, refugiada, em fuga, sem nada além das roupas do corpo e de um único sapato após os bombardeios alemães — no fim das contas, o ato de partir com todas as garantias para um Pais já conhecido parece uma caminhada tranquila.
Talvez seja. Mas ainda assim exige coragem. Mais do que isso: é uma história que impõe levantar a cabeça e caminhar com orgulho. “Olha as antenas dos prédios”, dizia meu avô — contam — quando via alguém andar curvado. Mas ele não falava de fisioterapia.
E coragem e orgulho são sentimentos fortes. Capazes de nos fazer felizes de nós mesmos e de nos permitir atravessar até aqueles momentos em que, naturalmente, a melancolia, a tristeza e a ausência emergem, apertam o coração e provocam um nó na garganta no Natal.
E a coragem, o desejo de realização, o orgulho são elementos fundamentais em qualquer desafio: permitem seguir adiante, mover-se, evitando viver uma vida presa entre a melancolia do passado e a espera de um futuro fantástico que talvez nem exista. “Eu não vivo no passado, o passado vive em mim”, diz com frequência Paulinho da Viola, evocando a filosofia do aqui e agora do samba.
A coragem é realidade. É hoje.
E o Natal é catarse. Há anos para mim, tudo gira em torno do conceito de saudade.
Para quem tem o napolitano como língua da alma e o português como língua do coração, onde quer que se escolha passar o Natal, uma cota de saudade é necessária. Do calor — meteorológico e humano — da adotiva Cidade Maravilhosa, ou do calor da própria casa, irradiado pela família e pela comida da memória.
O Natal é catarse, eu disse, e impõe lançar um olhar ao passado, mas com os sentimentos puros da felicidade pelo que vivemos e pelo que somos, e com a alegria e a curiosidade das lembranças.
Quando fecho os olhos, a primeira imagem que surge é a de um Natal em Secondigliano, na casa da tia, onde insisti muito para passar a véspera. Ela era aquela que eu havia idealizado como a personificação do espírito de Nápoles. Para mim, ela era Nápoles. Em tudo o que fazia e dizia, em cada gesto e em cada tradição que respeitava. E naquele ano organizou uma cena que lembro com prazer. Depois de colocar um pano escuro sobre a cabeça, pegou uma lata vazia de tomates pelados, cheia de furos, presa a uma corrente, e começou a espalhar incenso pela casa… o cheiro se espalhava forte, junto com uma frase repetida contra o mau-olhado, invocando boa sorte.
Algo que no Rio de Janeiro eu veria muitas outras vezes. Nas primeiras, com um sorriso, como quem diz: ah, aqui também.
Crer sem necessariamente seguir os dogmas impostos de cima favorece a cultura espiritual popular das pequenas coisas, de quem tem pouco e acredita que fazer o bem – e enviá-lo para si e para os seus — gera prosperidade. Mais uma ponte entre Nápoles e o Rio. Cidades comprimidas entre o inferno e o céu. Em todos os sentidos.
Quando penso no Natal, ele é sempre associado á família. As lembranças são muitas.
Outra imagem que encontro ao fechar os olhos é a das mesas — muitas — dispostas nos espaços apertados da casa dos conjuntos populares onde morava meu avô. Arrumadas de qualquer jeito para garantir uma cadeira a todos, a muita gente, para enfrentar, mesmo apertados, o desafio do Natal: a comida. Travessas, panelas, recipientes, pacotes, panetones por toda parte. Horas e horas sentados à mesa, comendo, bebendo, rindo e zombando uns dos outros.
Natal e comida são praticamente conceitos espelhados em Nápoles e na Campânia. E trata-se, de fato, de um desafio que exige coragem.
Para mim, Natal é sabor. Muitos, na verdade. Muitos mesmo.
A pizza de escarola, o bacalhau, a salada de reforço e os struffoli são os meus quatro sabores do Natal. Quantos desafios de struffoli eu testemunhei, entre receitas e ingredientes secretos, ser o juiz era um deleite. E depois as cartas, o “sete e meio” jogado por tradição e para se manter acordado após a grande comilança. E se preparar a mais comida.
Uma tradição pessoal mais recente, que me remete ao Natal, tem a ver justamente com a emigração. A Campânia continua sendo uma terra de onde muita gente parte, em busca de um futuro melhor. Muitos voltam apenas para passar o Natal com a família.
E assim, no dia 24, antes do ensaio da ceia, os bares de todas as cidades se enchem de pessoas que cresceram juntas, mas que, por obra do destino que as separou, são obrigadas a se ver só no Natal. Isso, porém, cria uma atmosfera mágica.
Como se a distância e a espera realmente aumentassem o desejo do reencontro. E renovam a beleza do Natal, velado de melancolia, mas sempre animado de felicidade e esperança de entrar, renovados na energia, no ano novo. Um novo ciclo a cada ano.

