No município de Rocca di Papa, aninhado nas paisagens dramáticas dos Castelli Romani, a história de uma tradição culinária milenar se desenrola entre ruas sinuosas e íngremes. Não é apenas uma história de sabor, mas de laços familiares, rituais comunitários e um doce que, por quase dois séculos, assumiu o papel singular de convite de casamento. O protagonista dessa narrativa fascinante é a “Ciambella degli Sposi”, um tipo especial de donut, cuja essência e significado transcendem a própria doçura.
Basta seguir o aroma inconfundível de anis e açúcar para encontrar o Antico Forno Alimentari “Gnese de Rosarella” na Via della Cava 51, no coração do histórico Bairro Bávaro. Ali, em um espaço onde cada tijolo parece sussurrar segredos de gerações, Silvia Fondi, a quinta geração de “ciammellare” – as guardiãs femininas dessa arte de panificação ante litteram – continua o legado de sua família. Em meio ao burburinho diário e ao calor do forno, os mesmos deliciosos donuts são produzidos incansavelmente, como um elo palpável com o passado.
A essência da humildade: Ingredientes e origens de um doce tradicional
A receita das Ciambelle degli Sposi é um reflexo de tempos mais simples, onde a virtude nascia da necessidade, mesmo em momentos de celebração. Composta por farinha, açúcar, ovos, licor de anis, óleo de semente, fermento em pó e uma pitada de sal, finalizados com uma generosa cobertura de açúcar granulado, seus ingredientes básicos representam a sabedoria de aproveitar o que a terra oferece. “A data exata em que a tradição dos donuts de casamento começou é incerta”, explica Silvia Fondi. “No entanto, há documentos do meu tataravô que os mencionam, datando do final do século XIX, comprovando a longevidade dessa prática.”
Mais do que um presente, esses donuts eram a própria materialização do convite de casamento. Era um ritual meticuloso: as ciambelle eram cuidadosamente dispostas em grandes lenços de linho, que faziam parte do precioso enxoval da noiva, um símbolo de sua nova vida e prosperidade. O ato de levar esses pacotes doces aos parentes e amigos não era apenas uma entrega, mas um anúncio solene e carinhoso do enlace, conectando famílias e vizinhos à celebração iminente.
A complexa linguagem dos Donuts: Uma etiqueta numérica
A distribuição das Ciambelle degli Sposi seguia uma etiqueta social rigorosamente codificada pelo número de doces oferecidos. Não era uma questão de aleatoriedade, mas de respeito e reconhecimento da hierarquia familiar e social. Para aqueles que, por algum motivo, não seriam convidados para a cerimônia, como vizinhos próximos, ainda havia um gesto de consideração: seis donuts. Para os convidados comuns do casamento, o número subia para oito donuts. Já para os tios e avós, figuras de maior importância na família, a porção aumentava para 12 donuts.
A distinção ia além: Os padrinhos de batismo recebiam 18 donuts, enquanto os padrinhos de crisma, com seu papel espiritual único, eram agraciados com 24 donuts. Para os “Rocchigiani”, os moradores de Rocca di Papa, essa complexa tradição numérica tornou-se quase uma “cantiga de ninar”, repetida de cor por gerações, refletindo o intrincado tecido social da época. E a matemática não parava por aí: se uma pessoa ocupasse múltiplos papéis, como um tio que também fosse padrinho de crisma, os números eram somados, garantindo, por exemplo, um total de 36 donuts – uma verdadeira declaração de apreço e reconhecimento.
O rito coletivo da produção: Mais que cozinhar, celebrar
Antigamente, o processo de fazer as Ciambelle degli Sposi era um evento comunitário por si só, repleto de alegria e união. Não havia as rigorosas restrições sanitárias de hoje, então toda a família podia ir à padaria para fazer donuts junto. Era uma cena vibrante: o burburinho de vozes, o aroma da massa fermentando e, mais tarde, o cheiro doce do anis se espalhando no ar. As mãos se moviam em conjunto, moldando, assando e decorando os doces, transformando a padaria em um espaço de celebração pré-nupcial.
Esta já era uma celebração que simbolizava a união familiar, com mães, tias e primas improvisando como confeiteiras por um dia. Curiosamente, apenas uma pessoa era excluída desse ritual de preparação: a noiva. Essa exclusão, que ocorria geralmente um mês antes do casamento – período em que os proclamas eram afixados na igreja –, era parte do mistério e da expectativa que cercavam a futura esposa, reservando-lhe um papel distinto no processo.
De geração em geração: O legado de “Gnese de Rosarella” e a Revolução de Silvana

A padaria, carinhosamente chamada de “Gnese de Rosarella”, é um monumento à persistência familiar. “Minha família sempre teve uma mercearia, e a tradição de fazer donuts nasceu aqui graças à Rossella, minha bisavó e fundadora da família”, conta Silvia. A Rossella foi sucedida por sua avó Agnese, e depois pela tia Silvana, que continuou a tradição com paixão.
Foi a tia Silvana, que faleceu há poucos meses, a grande revolucionária da Ciambelle degli Sposi. “Minha tia Silvana era tão apaixonada por esses donuts que dedicou a vida a eles. Quando criança, ela fazia donuts pequenos com lama, sonhando com o dia em que faria os de verdade”, revela Silvia. Dessa brincadeira de infância, nasceu uma devoção que transformou o destino do doce. Silvana, percebendo a crescente demanda dos clientes, que cada vez mais pediam os donuts fora das ocasiões de casamento, decidiu expandir sua produção. A transição foi “completamente natural”, pois a crescente popularidade fez com que o Ciambelle degli Sposi deixasse de ser uma iguaria exclusiva de cerimônias nupciais para se tornar um café da manhã básico para os moradores de Rocca di Papa e até mesmo para visitantes.
Um tesouro reconhecido: Festa, PAT e IGP
A importância das Ciambelle degli Sposi para os moradores de Rocca di Papa é tamanha que a sobremesa é celebrada anualmente em 22 de junho, com uma festa dedicada à sua grandiosidade. Essa celebração, que já acontece há cerca de dez anos, comemora o status de IGP (Indicação Geográfica Protegida) que o produto alcançou, um reconhecimento que atesta sua autenticidade e ligação com a região. Além disso, a Região do Lácio já havia concedido à ciambella o status de PAT (Produto Agroalimentar Tradicional) há mais tempo, sublinhando sua relevância cultural e histórica.
As Ciambelle degli Sposi são muito mais do que um simples donut. São um testamento vivo da história de Rocca di Papa, da resiliência de suas tradições e da doçura que pode ser encontrada na simplicidade e na união familiar. Saborear uma dessas ciambelle é fazer parte de uma narrativa que transcende o tempo, levando o paladar e a alma a uma época onde o amor e a comunidade eram celebrados com um doce e inesquecível gesto de carinho.

