Em Roma, há endereços capazes de contar, em poucos metros, várias vidas da cidade. Vidas que se sobrepõem, se contradizem e, ainda assim, convivem. O complexo do Collegio Nazareno, em Largo del Nazareno, é um desses lugares raros: durante séculos, foi espaço de formação, disciplina e educação civil; hoje, renasce como hotel cinco estrelas sob o nome de Palazzo Talìa, incorporando uma nova camada à história urbana do centro histórico.
O nome “Nazareno” remete a uma figura pouco conhecida fora dos livros, mas central para a origem do edifício: o cardeal Michelangelo Tonti, chamado de “Cardinal Nazareno” por ter sido arcebispo titular de Nazaré. Foi ele, no século XVII, quem destinou o palácio a um projeto educacional ligado a São José Calasanz e à ordem dos Escolápios, com uma missão clara e revolucionária para a época: oferecer instrução gratuita a jovens pobres e talentosos. A realização desse ideal, como costuma acontecer em Roma, não foi imediata, disputas sucessórias atrasaram o processo, mas o destino do lugar acabou se impondo.
Durante séculos, o Collegio Nazareno funcionou como uma verdadeira cidade dentro da cidade: salas de aula, dormitórios, pátios internos, corredores longos e austeros. Um microcosmo que acompanhou as transformações de Roma e da sociedade italiana. Ao longo do século XX, o colégio passou por um progressivo redimensionamento: o internato fechou em 1979; nas décadas seguintes, encerraram-se gradualmente as atividades do ensino fundamental, permanecendo apenas alguns cursos de nível médio superior.
Para muitos romanos, no entanto, o Nazareno não é apenas um endereço histórico, mas uma memória pessoal. Um lugar feito de rituais cotidianos, passos ecoando nos corredores de pedra, janelas altas e pátios silenciosos. Entre os antigos alunos, figuram também nomes conhecidos do público italiano, como Carlo Verdone e Christian De Sica, frequentemente lembrados em narrativas e entrevistas sobre a experiência escolar no coração de Roma.
A virada chega no século XXI, quando o complexo passa por uma profunda transformação e se converte em hotel de luxo. Um gesto emblemático do nosso tempo: recuperar grandes edifícios históricos e devolvê-los à cidade por meio da hospitalidade de alto padrão. Assim nasce o Palazzo Talìa, inaugurado em 2024, ocupando o histórico endereço de Largo del Nazareno 25.
O nome escolhido não é casual. Talìa, musa da comédia, evoca uma Roma teatral, feita de cenas, encenações e jogos de perspectiva. O projeto arquitetônico e conceitual aposta justamente nesse diálogo entre passado e presente. Os espaços comuns foram concebidos pelo Studio Luca Guadagnino, que trabalhou a ideia de memória como experiência estética, enquanto os interiores das suítes reinterpretam o rigor histórico com conforto contemporâneo e refinada artesania italiana.
Mármores, esculturas e vestígios do antigo colégio convivem com materiais atuais e soluções de design elegantes, sem apagar as marcas do tempo. Pelo contrário: a história torna-se parte da narrativa do hotel, quase como um personagem silencioso que acompanha o hóspede.
A localização reforça essa identidade. A poucos passos da Fontana di Trevi, da Piazza di Spagna e dos grandes eixos monumentais, o Palazzo Talìa ocupa uma área mais discreta e recolhida, onde Roma parece falar em voz baixa. Um detalhe invisível, mas sugestivo, acrescenta profundidade ao lugar: a proximidade com o traçado do Aqua Virgo, o antigo aqueduto romano que ainda hoje alimenta a Fontana di Trevi.
No fundo, o Collegio Nazareno sempre foi um espaço social antes de tudo. Palácio aristocrático, depois escola, agora hotel. Mudam as funções, mudam os públicos, mas as paredes permanecem, carregando camadas de significado. E talvez seja essa a essência de Roma contemporânea: uma cidade que não oferece respostas definitivas, mas cenários complexos, onde passado e presente continuam a dialogar entre um banco escolar e uma suíte de luxo.

