“O que leva uma pessoa, em qualquer idade e de qualquer origem, a deixar o seu local de nascimento para migrar para outro lugar, onde tudo é diferente – cultura, língua, costumes, ambiente?” É a questão lançada por Anamaria Kovács, jornalista, escritora e professora universitária, abre uma reflexão sobre um tema central da identidade brasileira: a imigração.
Autora de “Antepassados, para lembrar com ternura”, Kovács em seu recente artigo “Imigrantes, uma riqueza ignorada” resgata a saga de milhões de pessoas que atravessaram oceanos em busca de novas oportunidades. A escritora lembra que, em tempos passados, “era muito mais difícil – e até perigoso – deixar o ‘ninho’ para trás e aventurar-se pelo mundo. Mesmo assim, a rapaziada botava uma mochila nas costas e saía por aí, para o que desse e viesse”.
No século XIX, cerca de 4,5 milhões de imigrantes desembarcaram no Brasil, dos quais aproximadamente 1,5 milhão eram italianos. Vieram em viagens longas, precárias e incertas. Como relembra Kovács, “vindos inicialmente em navios a vela, em viagens que duravam meses, sujeitos a condições sub-humanas, amontoados e com poucos pertences além de algumas roupas e bíblias, esses migrantes sujeitavam-se a tudo para escapar à miséria em seus países de origem”.
Essa travessia não era apenas geográfica, mas também cultural e emocional. Para muitos, significava deixar para trás não só a pátria, mas também laços familiares e identidades que precisariam ser reinventadas.
Entre os que mais marcaram presença, estavam os italianos. Estima-se que hoje mais de 30 milhões de brasileiros sejam descendentes desses imigrantes. Eles ajudaram a impulsionar a agricultura — especialmente no café, no vinho e nas pequenas propriedades familiares — e tiveram papel determinante no crescimento de São Paulo, que no início do século XX já era chamada de a “cidade mais italiana fora da Itália”.
Kovács observa que “regiões de clima mais ameno, no Sul do Brasil, receberam muitas levas desses imigrantes, mas não só essas. Cidades grandes, como São Paulo e Rio de Janeiro, também foram visadas por migrantes com outras ambições, como comerciantes, artistas, intelectuais”.
Além dos italianos e alemães, japoneses, sírios, libaneses, húngaros e tantos outros grupos vieram compor o mosaico cultural brasileiro. A autora lembra que “cidadãos do Leste Europeu e do Oriente Médio, assim como os japoneses e coreanos, afluíram às metrópoles brasileiras”.
Essa diversidade fez do Brasil um caso singular: um país de dimensões continentais que se construiu a partir de diferentes matrizes culturais, todas convivendo, dialogando e, muitas vezes, se fundindo.
Kovács aponta para a diferença entre as escolhas migratórias de ontem e as de hoje: “o que vemos, hoje, é outro fenômeno: a migração forçada de populações inteiras, movidas pela fome, falta de oportunidades, problemas políticos ou da própria Natureza”.
Em um mundo marcado por deslocamentos massivos estima-se que mais de 110 milhões de pessoas vivam atualmente em situação de deslocamento forçado segundo dados da Onu, a reflexão de Kovács ecoa como alerta e como lição: a imigração não é apenas movimento de corpos, mas também de saberes, culturas e esperanças.
Em Antepassados – para lembrar com ternura, Kovács mostra como as histórias de seus ancestrais — famílias Dannhel e Kovács, imigrantes alemães e húngaros — se entrelaçam com a trajetória do Brasil. Para ela, “todos, sem exceção, devem sua existência aos seus ancestrais. O que somos, nossos gostos, opiniões, habilidades, podem estar enraizados lá atrás, com alguém que também viveu e que projeta sua vivência na nossa”.
A imigração, portanto, não é apenas passado: é presente contínuo. Uma herança viva que molda nossas cidades, nossa cultura e até mesmo nossas memórias mais íntimas.
Heranças vivas: a força transformadora da imigração no Brasil
