Milhões de visitantes percorrem anualmente as ruas petrificadas de Pompeia, testemunhando a tragédia congelada no tempo. Mas, em um discreto recanto da Região II, uma nova experiência sensorial irrompe, quebrando o silêncio milenar com a doce fragrância de um passado ressuscitado. Após um processo meticuloso de “arqueologia botânica”, o Jardim de Hércules, parte da singular Casa do Perfumista, foi reaberto ao público, convidando a uma imersão olfativa na vida cotidiana e nos sonhos de seus antigos moradores.
Não é apenas um espaço verde recuperado; é uma cápsula do tempo botânica, meticulosamente reconstituída para exalar os mesmos aromas que flutuavam no ar em 79 d.C.

O que torna esta reabertura singular é a ciência por trás de sua ressurreição. A equipe do Parque Arqueológico de Pompeia mergulhou não apenas nas ruínas, mas nos invisíveis vestígios orgânicos. Através da arque botânica e da palinologia (o estudo de pólen e esporos), pequenos fósseis microscópicos foram analisados, revelando as exatas espécies de plantas que compunham o jardim. Mais impressionante ainda foi a técnica dos moldes de gesso de cavidades de raízes. As cinzas vulcânicas, ao endurecerem, preservaram as formas ocas das raízes das plantas em decomposição. Ao preencher esses “fantasmas” com gesso, os arqueólogos puderam recriar a disposição precisa de cada árvore, arbusto e flor, permitindo que as plantas atuais sejam plantadas exatamente onde suas antepassadas cresceram.
Assim, as rosas centenárias, as delicadas violetas, os exuberantes lírios e as viçosas cerejeiras que hoje adornam o jardim não são meras substituições; são herdeiras diretas, dispostas exatamente como seriam vistas pelo seu proprietário. O antigo sistema de irrigação também foi restaurado, e a água volta a sussurrar pelos canais de terracota, nutrindo a vida como fazia há eras.
O sonho de um perfumista anônimo

A casa, datada do século III a.C., conta a história de um homem com visão e persistência. Após o devastador terremoto de 62 d.C., que chacoalhou a região e danificou sua propriedade, o proprietário – cujo nome se perdeu nas brumas do tempo – não apenas reconstruiu, mas decidiu expandir. Ele vislumbrou um futuro de prosperidade no florescente mercado de luxo romano: a produção e venda de perfumes.
O jardim não era apenas um adorno; era a matéria-prima essencial para seu negócio. A casa, modesta, mas bem posicionada, transformou-se em uma “boutique” e oficina. Era ali que as flores, recém-colhidas, seriam maceradas em óleos preciosos, num processo conhecido como enfleurage, para criar os unguentum, os perfumes à base de óleo que eram um símbolo de status na sociedade romana. As escavações na década de 1950 confirmaram essa vocação, revelando não apenas os vestígios vegetais, mas numerosos frascos de vidro (unguentaria), alguns ainda com resíduos de fragrâncias, e até ferramentas do ofício.
A personalidade do perfumista emerge sutilmente de um detalhe fascinante: a inscrição “cras credo” (“amanhã darei crédito” ou “amanhã terei crédito”) na entrada da casa. Uma frase que revela um toque de humor, talvez uma pequena ironia sobre as complexidades do comércio na Roma antiga, ou uma promessa otimista de um futuro próspero que, tragicamente, nunca chegou. A estatueta de Hércules no larário do jardim, que deu nome ao local, pode ter sido uma invocação por força e sucesso nos negócios.
Um legado de cheiros e resiliência
A erupção do Vesúvio em 79 d.C. não apenas soterrou a casa, mas congelou o sonho do perfumista em seu auge. O proprietário estava no meio de sua expansão, com um negócio florescendo, quando as cinzas e a lava transformaram sua oficina em uma relíquia.
Hoje, ao passear pelo Jardim de Hércules, o visitante não está apenas vendo um jardim; está sentindo o cheiro de um legado. É uma ponte sensorial para a vida diária de Pompeia, uma cidade que não era apenas um conjunto de templos e anfiteatros, mas um fervilhante centro de comércio e vida humana.
A reabertura deste jardim é um testemunho do poder da ciência e da dedicação em resgatar e preservar a história não apenas em pedras, mas também em aromas. E, de certa forma, é uma conclusão poética: o último e mais perfumado lote do empresário de Pompeia, finalmente, está pronto para ser apreciado, quase dois milênios depois.
