Um novo e chocante caso de feminicídio na Itália reacende o debate sobre a eficácia das medidas de proteção e monitoramento no país. O brasileiro Douglas Reis Pedroso, de 41 anos, foi preso sob suspeita de assassinar a facadas sua companheira, a também brasileira Jessica Stapazzolo Custodio de Lima, de 33 anos, na cidade de Castelnuovo del Garda, província de Verona.
A notícia foi confirmada pela Promotoria de Verona. A prisão, efetuada pelos Carabinieri da Companhia de Peschiera del Garda, ocorreu após o próprio suspeito ter ligado para a polícia por volta da meia-noite, manifestando intenções suicidas.
De acordo com as investigações preliminares, a confissão do acusado levou as autoridades a encontrarem o corpo de Jessica sem vida na residência. A faca utilizada no crime foi localizada dentro do carro de Reis Pedroso.
O caso é particularmente grave devido ao histórico de proteção em vigor. Douglas Reis Pedroso estava sob uma medida de afastamento desde 23 de abril, que o proibia de se aproximar da companheira, exigindo uma distância mínima de 500 metros e o uso obrigatório de uma tornozeleira eletrônica.
A Promotoria de Verona informou que o dispositivo foi instalado em 19 de maio. Contudo, no momento da prisão, o brasileiro não estava utilizando a tornozeleira eletrônica. O aparelho receptor que havia sido entregue à vítima, essencial para alertar sobre a aproximação do agressor, foi encontrado escondido na garagem da casa da mãe do acusado.
As autoridades buscam agora determinar quando e como o suspeito se livrou do equipamento de vigilância, expondo uma grave falha na segurança da vítima, que deveria estar protegida pelo sistema de monitoramento.
A tragédia em Verona sublinha a urgência do avanço legislativo, a Itália já havia aprovado uma lei anterior em dezembro de 2023, chamada “Disposições para o Combate à Violência contra a Mulher e Violência Doméstica”. Essa lei ampliou a definição de conduta ilícita relacionada à violência doméstica e aumentou as penas para crimes relacionados a essa violência.
Em 2025, o Parlamento italiano deu mais um passo para formalizar e endurecer o combate à violência de gênero. O Projeto de Lei (DDL) n.º 2528, aprovado pelo Senado em julho, é a proposta legislativa mais importante do ano sobre o tema e está em discussão na Câmara dos Deputados. O projeto visa:
- Introduzir o Crime de Feminicídio: Uma das propostas mais debatidas é a criação de um delito de feminicídio autônomo no Código Penal, diferenciando-o e dando-lhe um peso específico além da figura do homicídio agravado.
- Reforma Processual: O DDL estabelece medidas para aprimorar o sistema de justiça, buscando maior celeridade e eficácia nas ações penais, essencial para intervir antes que as tragédias ocorram.
- Prevenção e Formação: O projeto inclui disposições para campanhas de sensibilização e, crucialmente, estabelece a necessidade de formação obrigatória para juízes, promotores e forças de segurança (como previsto no Artigo 8º), reconhecendo que a aplicação deficiente das leis existentes é um ponto fraco do sistema.
O caso de Jessica e Douglas ilustra exatamente o perfil que a nova lei busca combater: uma mulher assassinada no âmbito doméstico, por alguém que já tinha sido judicialmente proibido de se aproximar. A lei aprovada este ano reforça o compromisso italiano de tratar o feminicídio como crime de ódio de gênero, não apenas como homicídio comum, e amplia a responsabilização penal.
Entretanto, especialistas e organizações feministas alertam que, embora as medidas punitivas sejam importantes, a prevenção e o apoio social — moradia segura para vítimas, acompanhamento psicológico, suporte financeiro, redes de proteção — continuam sendo lacunas críticas. Um crime como esse demonstra que nem sempre as restrições judiciais ou os dispositivos eletrônicos são suficientes para garantir segurança real.
Especialistas e organizações de apoio alertam que a violência doméstica, responsável pela maioria dos feminicídios, está intrinsecamente ligada à questão habitacional e econômica. Dados da organização Women’s Aid indicam que 68% das vítimas de abuso permanecem com o agressor por falta de moradia alternativa e segurança financeira.
A ausência de moradia e renda estável impede que as mulheres reconquistem sua autonomia e saiam de situações de dependência e risco. Portanto, a legislação e as políticas públicas precisam atuar não apenas na punição, mas também na reconstrução da autonomia da vítima por meio de redes de proteção, apoio financeiro e inserção no mercado de trabalho, garantindo que o direito à moradia se traduza em liberdade e segurança.

