Nos corredores históricos do Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO, em Paris, ecoou uma decisão que trouxe um respiro de alívio para uma das cidades mais singulares e vulneráveis do planeta: Veneza. Em um veredito unânime, o centro histórico da icônica joia turística da Itália foi mantido fora da temida lista de lugares em risco, um reconhecimento crucial dos esforços italianos em proteger sua frágil beleza.
Essa não foi uma vitória fácil. Há menos de um ano, em julho de 2023, Veneza pairava à beira do precipício. A UNESCO havia emitido uma severa recomendação para que a cidade fosse incluída na lista de patrimônios ameaçados, alertando para os impactos devastadores do aquecimento global e, sobretudo, do turismo de massa predatório. A perspectiva de ver Veneza ao lado de sítios em perigo de destruição era um lembrete sombrio da urgência de agir. No entanto, em um gesto de fé e incentivo, o comitê decidiu dar um voto de confiança, oferecendo às autoridades italianas um prazo para demonstrarem medidas concretas de proteção. E, ao que tudo indica, a resposta de Veneza foi decisiva.
Ações contundentes: O que salvou Veneza da lista?
A decisão da UNESCO não foi aleatória; ela se baseia em “melhorias significativas na governança e gestão” da cidade. Uma nota conjunta dos Ministérios das Relações Exteriores e da Cultura da Itália, em parceria com a Prefeitura de Veneza, expressou o sentimento de dever cumprido, classificando o resultado como um “reconhecimento do trabalho intenso e concreto desenvolvido nos últimos anos para a proteção da cidade, de seus valores universais, de sua paisagem cultural e de sua habitabilidade”.
Dois pilares fundamentais se destacaram e foram elogiados explicitamente pelo comitê:
- O Veto aos gigantes dos mares: Um divisor de águas foi a proibição efetiva da passagem de grandes navios, especialmente os de cruzeiro, pela histórica Bacia de San Marco. Por anos, essas imponentes embarcações foram vistas como símbolos da ameaça à estrutura delicada de Veneza, causando erosão, poluição e impactando drasticamente a paisagem e a experiência dos moradores e visitantes. A decisão de redirecionar esses navios para portos mais afastados foi uma vitória para a sustentabilidade e a preservação da essência veneziana.
- O combate ao “bate e volta” predatório: Em uma medida ousada e pioneira, Veneza introduziu um sistema de acesso mediante cobrança para visitantes diurnos (o “bate e volta”) em dias de alta temporada. Implementada a partir de 25 de abril de 2024, essa taxa visa controlar o fluxo massivo de turistas que chegam apenas para algumas horas, sobrecarregando a infraestrutura sem contribuir significativamente para a economia local. Embora gere debates, a iniciativa demonstra um compromisso claro em gerenciar o turismo de forma mais consciente e proteger o dia a dia dos venezianos.
Além dessas ações visíveis, a UNESCO também considerou os instrumentos de mitigação da crise climática que Veneza tem adotado. A cidade, particularmente vulnerável à elevação do nível do mar e às recorrentes “acqua alta”, tem investido em projetos como o sistema de barreiras móveis MOSE, um complexo projeto de engenharia projetado para proteger a lagoa das marés extremas. Esses esforços, em conjunto, demonstram uma estratégia abrangente para lidar com as ameaças existenciais à cidade.
Um futuro equilibrado: O desafio contínuo de preservar o único
A permanência de Veneza fora da lista de risco da UNESCO é, sem dúvida, um marco importante. No entanto, é crucial entender que essa decisão não é um salvo-conduto para o relaxamento, mas sim um incentivo para a continuidade e o aprofundamento das medidas de proteção. Os desafios de Veneza são complexos e multifacetados: o equilíbrio entre turismo e habitabilidade, a luta contínua contra as mudanças climáticas e a necessidade de manter a identidade cultural da cidade viva para seus residentes.
A UNESCO, ao dar esse voto de confiança, reafirma a crença na capacidade das autoridades venezianas de gerir seu patrimônio de forma sustentável. A batalha pela preservação de Veneza é uma luta global, um lembrete de que tesouros culturais exigem vigilância constante e ação corajosa. O futuro desta cidade única dependerá da persistência em suas políticas de proteção e da capacidade de integrar a modernidade com o respeito profundo pela sua história e delicada natureza.
Veneza, mais uma vez, provou sua resiliência. E, por enquanto, o mundo pode continuar a sonhar com seus canais, suas gôndolas e sua arquitetura milenar, sabendo que esforços significativos estão sendo feitos para que ela continue a ser um patrimônio vibrante para as futuras gerações.