A luz desliza devagar sobre o Pórtico de Otávia, acariciando o paralelepípedo como faria uma mão afetuosa. É aquela hora suspensa em que Roma parece prender a respiração: as mesas começam a ser arrumadas, as cozinhas se aquecem, o Gueto judeu se enche do perfume do óleo chiando na frigideira.
E é justamente aqui, nesse teatro cotidiano, que Emily in Paris decidiu enxertar sua fantasia: inserir um fragmento de Paris na romanidade mais autêntica.
Giggetto como cena-mãe
No Giggetto al Portico d’Ottavia, os garçons se movem como dançarinos experientes. Não precisam de coreografias: conhecem o ritmo da casa, sabem quando uma mesa está prestes a pedir e quando outra precisa apenas de alguns minutos a mais para saborear o ar.
O diretor não precisou fazer nada além de se afastar. A cena se escreveu sozinha.
Emily chega com sua elegância um pouco ingênua, o olhar arregalado, a curiosidade de quem está sempre procurando um canto instagramável. Mas aqui não há necessidade de filtros: basta levantar os olhos. O arco imponente do Pórtico, a pedra gasta, a cidade que respira há dois mil anos.
O perfume da história (e das alcachofras)
Sob a sacadinha de ferro trabalhado, uma frigideira espalha o aroma das alcachofras alla giudia: um perfume que conta uma comunidade, uma memória, uma resistência. Por um instante, até Emily para.
Seu sorriso se suaviza: ela já não é a americana de passagem, é uma de nós, surpreendida por um prazer simples e inesperado.
Na mesa chega um prato de fettuccine brilhantes, envolvidas por um molho que tem gosto de domingo em família. O vinho branco tilinta contra os copos, alguém ri, alguém se emociona. Roma tem esse efeito: dissolve fronteiras entre desconhecidos e transforma cada mesa em uma pequena comunidade temporária.
Um momento impossível de encenar
Na cena filmada aqui, mais do que Emily, é Roma que interpreta a si mesma. Giggetto torna-se seu coro, seu fôlego. Cada detalhe – o garçom ajustando a toalha, a voz chamando um pedido, o turista que para para observar – entrou no quadro como se estivesse previsto no roteiro.
Mas não estava. É simplesmente Roma, que quando quer sabe ser mais cinematográfica do que o próprio cinema.
Quando a tela se desfaz na realidade
O mais bonito é que, quando os refletores se apagam, tudo permanece ali: a mesa posta, o aroma das alcachofras ainda no ar, a beleza obstinada do Gueto.
Para quem se sentar no Giggetto depois de assistir ao episódio, não será apenas “o restaurante da série”.
Será uma travessia: de espectador a protagonista, de turista a comensal, de curioso a apaixonado.

