No mundo da moda, as nomeações criativas nunca são simples trocas de cargo. São declarações de intenção, movimentos estratégicos capazes de redefinir a identidade de uma marca. A recente nomeação de Maria Grazia Chiuri como diretora criativa da Fendi, anunciada pela LVMH em 14 de outubro de 2025, é exatamente isso: um retorno “para casa”, mas também um passo ousado, cheio de implicações para todo o sistema do luxo italiano.
Maria Grazia Chiuri, nascida em Roma e formada pelo Istituto Europeo di Design, deu seus primeiros passos justamente na Fendi, em 1989, onde participou da criação de um dos acessórios mais icônicos da moda contemporânea: a Baguette Bag. Após uma longa trajetória na Valentino, ao lado de Pierpaolo Piccioli, assumiu em 2016 a direção artística da Dior, tornando-se a primeira mulher a ocupar esse cargo na maison francesa. Desde então, impôs uma visão na qual a moda dialoga com a arte, a sociedade e o pensamento feminino, transformando o luxo em uma plataforma cultural.
A decisão de trazê-la de volta à Fendi, vinte e seis anos depois, não é casual. Para o grupo LVMH, que controla a maison romana desde 2001, a escolha de Chiuri representa uma síntese ideal entre herança e inovação. O conglomerado liderado por Bernard Arnault busca relançar a marca destacando sua identidade italiana e reforçando a conexão com Roma — uma cidade que sempre inspirou a estética sofisticada e arquitetônica da casa. O retorno de Chiuri, que assume o posto deixado por Kim Jones após sua saída em 2024, tem também um valor simbólico especial: acontece no centenário da Fendi, fundada em 1925.
A LVMH enxergou em Chiuri a figura capaz de unir continuidade e renovação. A estilista não é apenas uma criadora de roupas, mas uma narradora cultural, capaz de ler o espírito do tempo. Seu olhar multidisciplinar — que levou a Dior para museus, performances e colaborações com artistas e pensadoras contemporâneas — se alinha perfeitamente com a estratégia do grupo, que aposta cada vez mais em um luxo que fala de cultura, valores e responsabilidade. Além disso, a nomeação reforça uma política interna de valorização de talentos: em vez de buscar novos nomes fora do grupo, a LVMH aposta em quem já provou entender a complexidade do mercado global.
Chiuri assumirá um mandato amplo, com responsabilidade sobre as linhas feminina, masculina e de alta-costura, garantindo uma coerência estética entre os diferentes segmentos. Não é uma tarefa simples, mas está em sintonia com a visão de Arnault de concentrar sob uma única direção criativa a construção de uma identidade mais coesa e reconhecível para a maison. Após anos de múltiplas vozes criativas, a Fendi busca agora um discurso unificado que preserve a herança familiar — ainda presente com Silvia Venturini Fendi, diretora criativa de acessórios — e, ao mesmo tempo, projete a marca no futuro.
O desafio será equilibrar memória e inovação. A Fendi é sinônimo de couro, savoir-faire e excelência artesanal — elementos que Chiuri conhece intimamente, mas que precisará reinterpretar com novos códigos formais e conceituais. Seu estilo, marcado pelo rigor e pela sensibilidade narrativa, pode inaugurar uma linguagem mais consciente, onde a feminilidade se torna intelectual, a moda se transforma em discurso e o artesanato em expressão poética.
Há também uma dimensão política nessa escolha: a LVMH reafirma a centralidade italiana dentro do seu império do luxo. Após anos de predomínio das maisons francesas, devolver a direção criativa de uma marca romana a uma designer italiana é uma forma de restabelecer equilíbrio cultural e simbólico no portfólio do grupo. Não se trata apenas de estética, mas de identidade e narrativa coletiva.
Chiuri enfrentará igualmente os desafios da sustentabilidade e da transparência, temas cada vez mais centrais na estratégia da LVMH. Sua sensibilidade em relação a materiais, técnicas artesanais e ética de produção pode transformar a Fendi em um laboratório de experimentação responsável. Ao mesmo tempo, a marca precisará continuar atraente para os mercados emergentes — especialmente Ásia e Oriente Médio — sem perder seu vínculo com as origens romanas.
Como sempre ocorre com nomeações desse porte, as expectativas são altas. Depois dos anos de sucesso à frente da Dior, público e crítica esperam de Chiuri uma guinada visível. Mas o potencial simbólico desse retorno é imenso: quem melhor do que ela, que viu nascer o mito da Fendi, para reinventá-lo no presente?
A chegada de Maria Grazia Chiuri marca o início de um novo capítulo para a Fendi e para o luxo italiano. É o gesto de um grupo que acredita no valor da memória, mas olha para o futuro com estratégia e clareza. Agora resta ver como a estilista transformará essa responsabilidade em forma, matéria e narrativa. A resposta virá com as primeiras coleções — e será nas passarelas de Roma que saberemos se este retorno é o fechamento de um ciclo ou o início de uma nova história.

