Há um lugar na Itália onde a história não é apenas escrita em pedra, mas saboreada à mesa. O Piemonte, com seus vales nebulosos e planícies férteis, é a terra de uma tradição culinária que vai muito além das massas secas.
Aqui, a massa é uma narrativa, uma herança que passa de geração em geração, moldada pelas mãos, recheada de memórias e servida com a generosidade de quem preserva o passado. Esta é uma viagem por um cardápio que é também um mapa de almas, onde cada formato revela uma página de uma história que a maioria de nós nem sabia que existia.
Começamos a nossa jornada na vastidão fértil dos campos, onde o tempo se move em um ritmo de colheita. É aqui que encontramos o rei incontestável da mesa piemontesa: o Agnolotti. Mais do que uma massa, ele é um símbolo.
Conta-se que sua forma, um pequeno quadrado delicadamente fechado, foi criada há séculos por um cozinheiro genial chamado Angiolino para um nobre de Monferrato. Seu nome, “agnolotto”, seria uma homenagem a seu criador. A beleza do Agnolotti reside em sua alma mutável. Cada vilarejo, cada família, guarda uma versão secreta do recheio. Na região de Asti, as “três carnes” — porco, boi e coelho — são um abraço de sabor. Em Alexandria, o porco e o queijo criam uma nova melodia. No entanto, a mais poética das variações nos leva a San Sebastiano da Po, onde o recheio mistura a doçura rústica da maçã pom matan com a suculência da linguiça. Uma receita que celebra a união inesperada entre a terra e a inventividade humana.
E se o Agnolotti é o abraço de uma tradição, o Plin é a delicadeza de um carinho. Seu nome já denuncia o gesto que o cria: o “plin”, o beliscão aplicado para selar a massa. Com seu tamanho diminuto e elegante, o Plin se tornou um dos favoritos da alta gastronomia, mas sua origem é puramente camponesa. Ele nasceu nas tavernas rurais de Langhe e Roero, onde a massa era escorrida e servida diretamente sobre um guardanapo de pano ou em uma tigela de vinho. Comê-lo com as mãos, em um gesto de camaradagem, era uma tradição que unia as pessoas ao sabor e à simplicidade.
Descendo por uma estrada de montanha, chegamos ao reino do dourado: o Tajarin. A cor vibrante e a textura sedosa dessa massa de ovo são o segredo da sua alma. A lenda diz que ela era tão rica em gemas que se tornara a favorita da corte real, com receitas que chegavam a usar 40 gemas por quilo de farinha. O Tajarin não é apenas uma massa; é um tributo ao luxo e à abundância, um par perfeito para a joia da região: a trufa branca de Alba. O casamento entre a sutileza do ovo e o perfume inebriante da trufa é um momento de pura poesia à mesa.
Mas a jornada não termina na planície dourada. Ela nos leva aos vales, onde o isolamento forjou uma culinária de resistência. Nas montanhas, a massa não era um luxo, mas uma necessidade, e sua forma refletia a paisagem e os costumes dos povos occitanos e walser. O Cruset, um tipo de massa que não deve ser confundido com outras, é a prova disso. Feito apenas com farinha e água, ele é moldado à mão, ganhando uma forma de “concha oca” que captura seu molho tradicional, a bagna grisa, um molho quente e rústico de queijo derretido. É um sabor que fala de alicerces e de calor.
Por fim, nas altas altitudes, as massas se transformam, adotando o espírito dos camponeses que as criaram. Os Cajettes do Alto Vale de Susa e os Ravioles de Melle são a perfeita fusão entre massa e nhoque. Feitos com batatas cruas raladas e pão amanhecido, eles são um eco da culinária de subsistência, da arte de criar algo substancial com o que a terra oferece. Eles nos lembram de uma época em que não se jogava nada fora, e a criatividade era o principal ingrediente.
É assim, de planície a montanha, que o Piemonte nos convida a entender que cada massa é um elo. Um elo com a história de um povo, com a força da terra e com a memória de um sabor que, por mais simples que seja, nos conecta a um passado de afeto e resiliência.

