qui. out 30th, 2025

Os queijos raros e misteriosos do Piemonte, um tesouro para sua viagem

Feche os olhos por um instante e imagine-se ali, onde o ar alpino beija os vales e as colinas se despedem do mar. Onde cada brisa carrega aromas de ervas selvagens e histórias sussurradas por séculos. Estamos no Piemonte, na Itália, um lugar onde o queijo não é apenas um alimento, mas uma poesia, uma tapeçaria tecida com a paisagem, o tempo e a paixão de gerações. Dizem que o General De Gaulle se perdia em meio às centenas de queijos franceses. Ele ficaria sem palavras diante da riqueza piemontesa, um reino onde sete DOPs regionais e três inter-regionais são apenas a ponta do iceberg de um universo de variedades raras e quase esquecidas, cada uma com uma alma própria. Prepare-se para essa viagem, uma odisseia do paladar que te levará pelos picos nevados aos vales floridos, desvendando segredos que você jamais imaginou. Este não é um simples guia; é um convite para guardar um pedaço da magia piemontesa em seu coração e em sua bagagem, pronto para a próxima aventura.

A harmonia entre a terra e o sabor é o grande encanto do Piemonte. Seus queijos são filhos diretos de sua geografia espetacular. No norte, os vales alpinos se aninham entre picos que tocam o céu, guardando o frescor da neve. Mais ao sul, as colinas de Langhe e Monferrato suavemente se inclinam, quase saudando o distante Mar da Ligúria. É um mosaico de microclimas e pastagens: em um lugar, o leite robusto das vacas de alta montanha; em outro, a delicadeza do leite de cabra e ovelha que pastam em colinas ensolaradas. Cada curva da estrada, cada vale escondido, é um cofre de segredos lácteos, um mapa de sabores à espera de ser decifrado. Não é à toa que em Bra, no coração desta região abençoada, o Slow Food celebra a “civilização do leite” com seu famoso evento Cheese. Mas nós vamos além do que é conhecido, para as preciosidades que você precisa descobrir pessoalmente.

Os segredos do alto: Onde o céu e a terra criam sabores inesquecíveis

Nossa jornada começa nas alturas, onde o ar é mais puro e o tempo parece ter parado, guardando tradições que se perdem na névoa dos vales.

Imagine-se no altíssimo Vale de Formazza, quase na fronteira com a Suíça. Ali, entre julho e setembro, nasce uma lenda: o Bettelmatt. Este queijo, feito com leite de vaca cru, só pode ser envelhecido em nove pastagens de montanha, a mais de 2.000 metros de altitude. Ele carrega a herança dos Walser, um povo de língua germânica que colonizou esses vales no século XIII. Pense nas vacas se alimentando de ervas alpinas raras, e você sentirá o sabor delicado e harmonioso do queijo macio e elástico, de cor amarelo-palha. É como se a própria essência da montanha fosse encapsulada em cada pedaço.

Há um tempo, o glorioso Castelmagno quase desapareceu. Famoso desde o século XII e adorado nas mesas da realeza europeia no século XIX, sua produção original, nas pastagens do belíssimo Val Grana, esteve em risco. Mas a Fortaleza Slow Food surgiu como uma guardiã, resgatando o Castelmagno das pastagens de montanha. Aqui, vacas pastam livremente em altitudes acima de 1.600 metros, e o processo de maturação, de no mínimo 120 dias, é uma arte ancestral. Para provar o verdadeiro espírito do Castelmagno, procure os queijos mais envelhecidos, aqueles com sutis veios esverdeados, fruto de um marmoreio natural. É um queijo de meditação, que convida à introspecção e revela camadas de sabor a cada momento.

A apenas alguns quilômetros da efervescência de Turim, nos serenos vales de Sangone, Coazze e Giaveno, um segredo de cabra espera por você: o Cevrin de Coazze. O nome já insinua sua origem (chèvre em francês significa cabra), e este queijo é feito predominantemente com leite da robusta cabra Alpina Camosciata. Produzidos da primavera ao outono, quando as cabras pastam livremente, esses queijos de cerca de um quilo são envelhecidos por três meses nas montanhas. O resultado? Aromas intensos, uma textura que derrete na boca e um final amanteigado com notas de nozes. É a doçura da cabra combinada com a força da montanha.

As formas da curiosidade: Queijos com histórias que marcam a alma

Descendo das alturas, a paisagem se transforma, mas a magia dos queijos persiste, revelando formas inusitadas e narrativas que desafiam a imaginação.

Conheça o Maccagno, ou Macagn em dialeto piemontês, um queijo toma feito com leite cru de vacas Bruna ou Pezzata Rossa d’Oropa. Seu nome deriva de uma pastagem no Vale do Sesia, mas sua tradição se enraíza na região de Biella. Este queijo conquistou o paladar do estadista Quintino Sella e até ganhou páginas em romances modernos. Os queijos (entre 1,8 e 2,5 kg) são feitos com leite ainda morno e maturados por dois a quatro meses nas crotins, pequenas e úmidas adegas subterrâneas sob os pastos. Imagine um queijo de textura suave, quase sedosa, com aromas de creme e manteiga, e um sabor adocicado que é pura gentileza. Uma delícia para a polenta concia ou simplesmente para desfrutar em fatias.

Prepare-se para uma obra de arte comestível: o Montebore. No sul de Tortona, nasce este queijo que é uma verdadeira escultura. Feito com uma mistura sublime de leite cru de vaca, ovelha e cabra, sua fama transcende o sabor para o seu formato único de “castelletto” ou “bolo de casamento” – três, às vezes até cinco, formas cilíndricas empilhadas em uma pirâmide. Reza a lenda que ele foi servido no faustoso banquete de casamento de Isabel de Aragão e Gian Galeazzo Sforza em 1489, com Leonardo da Vinci como mestre de cerimônias! Quase extinto no século passado, o Montebore foi resgatado por visionários. Após pelo menos 15 dias de envelhecimento, sua textura branca esconde um sabor leitoso que se aprofunda e complexifica com o tempo. É um pedaço de história e arte para o seu paladar.

Montebore

Plaisentif é um sussurro do verão, um queijo tão raro que é apelidado de “o queijo violeta”. Produzido apenas no Vale do Chisone e em Susa, entre o final de junho e o início de julho, ele absorve a essência das flores raras que brotam nas pastagens a 1.800 metros de altitude. É essa flora particular, especialmente uma violeta que cresce nos campos, que confere um sabor único e inimitável ao queijo. Com cerca de 2 kg, esses queijos são meticulosamente marcados e só são lançados ao mercado no terceiro domingo de setembro, durante uma feira em Perosa Argentina. É um encontro com a sazonalidade, uma celebração da natureza em seu ápice, um sabor que você jamais esquecerá.

Em Roccaverano, o ponto mais alto de Asti Langa, surge a Robiola di Roccaverano, uma linhagem nobre que remonta a crônicas romanas e é o primeiro queijo de cabra DOP da Itália. Produzida de março a novembro, agora exclusivamente com 100% de leite de cabra (uma rigorosa mudança para preservar sua autenticidade), é um queijo suave e saboroso. Após algumas semanas de maturação, ele atinge seu pico de sabor, perfeito para ser acompanhado por um mel local, pelos tradicionais bagnet vert ou bagnet russ (molhos piemonteses), ou por um vinho branco bem estruturado. É um rival à altura dos grandes chèvres franceses, mas com a alma inconfundível do Piemonte.

Roccaverano

Por fim, no Vale de Varaita, sob o olhar vigilante do icônico Monviso, descobrimos uma pequena maravilha de simplicidade e sabor: o Tumin dal Mel. “Tumin” é a abreviação de toma, revelando seu tamanho delicado (cerca de 10 cm de diâmetro e 200 g). Sua história é encantadora: foi a ideia de duas mulheres visionárias, no final do século XIX, que o criaram para ser mais fácil e rápido de comercializar. Seus segredos, passados de mãe para filha, envolvem leite de vaca cru e coalho de vitela. Prontos em apenas três dias, com um fino bolor branco, os Tumins mais maturados ganham aromas e sabores complexos, de leite fresco a notas vegetais intensas. Uma pequena joia que prova que a grandeza nem sempre está no tamanho.

O Piemonte não é apenas uma região; é um portal para a “civilização do leite”, um universo onde cada queijo é uma história, um convite à descoberta. Cada um desses queijos raros e menos conhecidos é uma porta para uma nova dimensão de sabor, uma oportunidade de se conectar com a terra, com a paixão dos casari (queijeiros) e com sabores que ecoam séculos de tradição e harmonia. Guarde este guia, marque seus favoritos e permita-se sonhar com essa aventura. A busca por esses tesouros é a chave para uma experiência italiana autêntica, profunda e inesquecível.

Qual desses queijos secretos e fascinantes do Piemonte será o primeiro a capturar sua imaginação e seu paladar em sua próxima viagem?

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