Entre as águas quentes e vibrantes que envolvem o Cabo Miseno, Baia e o Lago Fusaro, um alimento viveu por séculos como elo entre cultura, geologia e sabor: o mexilhão flegreo, ou cozzeca. Criado onde pulsa o gigantesco supervulcão dos Campi Flegrei, esse cultivo une o mundo marinho ao caos silencioso da caldeira vulcânica, resultando em um molusco de concha escura, interior nutritivo e um gosto singularmente exuberante.
É uma alquimia perfeita da natureza. As águas do Mar Flegreo, naturalmente mais quentes e constantemente agitadas por correntes, são enriquecidas com um coquetel de sais minerais – iodo, ferro, potássio e enxofre – provenientes do leito marinho vulcânico. Esse ambiente único estimula o metabolismo do molusco, resultando em uma concha escura e resistente, e um fruto carnudo, cheio de vida e com um sabor inconfundível, que o diferencia de qualquer outro mexilhão.
Uma saga milenar de sabores e resiliência
A história do mexilhão flegreo é tão antiga quanto a própria região. Sua ligação com os Campi Flegrei remonta ao século VIII a.C., com os Oscos. Na Magna Grécia, sua importância era tamanha que ele chegou a ser cunhado em moedas, símbolo da riqueza local. Os romanos o adoravam na culinária, e, durante a era Bourbon, o Rei Fernando IV elevou a sopa de mexilhões a prato oficial da corte, uma tradição de Quinta-feira Santa que perdura até hoje.
Mas nem tudo foi um mar de rosas. O setor prosperou até os anos 1960, mas o surto de cólera de 1973 abalou o mercado, mesmo sem contaminação local. O medo paralisou a indústria nos Campi Flegrei. Foi um golpe tão forte que inspirou a canção “La Cozzeca”, de Tullio De Piscopo, onde o molusco se defende em um tribunal imaginário: “A culpa não é minha, mas do mar, que foi desrespeitado”. Uma verdade que ressalta o papel do mexilhão como um filtro do ambiente em que vive.
Da criação rigorosa ao desafio climático
Hoje, o cultivo do mexilhão flegreo segue protocolos precisos e rastreáveis. Sem aditivos, antibióticos ou ração industrial, a semeadura ocorre em cordas suspensas em mar aberto. Após a maturação, os moluscos são levados a centros de purificação, onde ficam em tanques de água esterilizada por pelo menos 24 horas. Esse processo remove impurezas, mantendo intacto o sabor e a textura. O resultado: mexilhões de cor vibrante (laranja para fêmeas, bege claro para machos), mais firmes e com um aroma naturalmente delicioso.
Mesmo dominando mais de 80% da produção da Campânia e com demanda crescente, o futuro do mexilhão flegreo está em xeque. O maior vilão? As mudanças climáticas. O aumento da temperatura do mar, que já atingiu 24°C nos últimos anos, é alarmante, pois os mexilhões não sobrevivem acima de 26°C.
Especialistas correm contra o tempo. Uma das soluções estudadas é transferir mexilhões de outros locais para os Campi Flegrei por alguns meses, tempo suficiente para que adquiram o sabor vulcânico único. Contudo, o grande desafio é garantir que todo o ciclo de vida do mexilhão possa ser mantido localmente no futuro. Biólogos, criadores e instituições estão unidos nesse esforço crucial.
Celebrando e protegendo um patrimônio
Paralelamente, a Prefeitura de Bacoli age para proteger e promover essa joia gastronômica. Um “Plano de Quiosques” está em andamento para criar pontos de venda, e a busca pela Indicação Geográfica Protegida (IGP) visa reconhecer e proteger o mexilhão flegreo no mercado global.
Para celebrar esse legado, o Festival de Mytilus acontece anualmente em Bacoli. A edição de 2025 será nos dias 12 e 13 de julho, no Porto de Baia. O evento promete passeios de barco pelas fazendas de mexilhões, degustações irresistíveis, demonstrações culinárias e debates com biólogos e pescadores. É uma verdadeira festa que conecta a comunidade à sua herança.
O mexilhão flegreo é mais que um alimento; é um testamento da resiliência, da cultura e da identidade de uma das regiões mais cativantes da Itália. Um sabor de vulcão que, esperamos, continuará a contar sua história por muitos séculos.