
Em 23 de maio de 1992, o sol da Sicília foi engolido por uma nuvem de fumaça e destroços. Na autoestrada A29, próximo a Capaci, Giovanni Falcone, sua corajosa esposa Francesca Morvillo, e os valorosos agentes de sua escolta – Rocco Dicillo, Antonio Montinaro e Vito Schifani – foram brutalmente assassinados. Aquele dia, talhado a ferro e fogo na memória italiana, não foi apenas o ato de barbárie da máfia, mas a declaração de guerra de um sistema criminoso contra o próprio Estado, contra a esperança de justiça que Falcone e seu amigo Paolo Borsellino personificavam.
Trinta e três anos se passaram, e a ferida de Capaci e do subsequente massacre da Via D’Amelio, onde Borsellino seria trucidado 57 dias depois, continua aberta, sangrando em uma busca incessante por respostas. Maria Falcone, irmã de Giovanni, é hoje a guardiã viva de uma dor incalculável e de uma memória que se recusa a esmaecer. Em cada palavra sua, em cada ato em prol da Fundação Falcone, ecoa a promessa de que o sacrifício de seu irmão não será em vão. Ela representa a força daqueles que, apesar do tempo e da dor, não se dobram diante da injustiça, mantendo viva a chama da indignação e da esperança.
As contas inacabadas e a sombra do “veneno”

Muito foi feito, é verdade. Mafiosos de alta patente foram desbaratados e condenados, a Cosa Nostra foi duramente golpeada. No entanto, a verdade completa sobre os mandantes ocultos dos massacres de Capaci e Via D’Amelio, as possíveis conivências e omissões de setores do Estado, permanecem em uma névoa densa. A “mão oculta”, essa presença enigmática por trás das explosões, ainda paira como um fantasma, alimentando teorias e desconfianças. Documentos sigilosos, depoimentos contraditórios e a morte de figuras-chave ao longo dos anos impediram uma clareza absoluta, deixando um gosto amargo de impunidade parcial.
E o risco de novos “venenos”? Ele é real, palpável. A máfia não foi erradicada; ela se metamorfoseou, tornando-se mais discreta, infiltrando-se nas veias da economia legal, em um abraço sufocante que corrói a sociedade de dentro para fora. A ausência de uma verdade plena sobre o passado pode ser um perigoso precedente, um sinal de que certos crimes podem permanecer impunes. A memória de Falcone e Borsellino não é apenas a lembrança de heróis caídos; é um alerta vibrante, um chamado contínuo à vigilância, para que a justiça seja completa e que a Sicília, enfim, possa se libertar do peso das sombras que ainda teimam em cobri-la. Será que um dia, a verdade completa trará a paz tão desejada à Sicília?