Há quem diga que o ingrediente mais raro da gastronomia não é a trufa branca ou o açafrão persa, mas o tempo. Em Novara, no Piemonte, a família Caldarola provou que o tempo pode ser guardado dentro de um caderno de capa dura, escrito à mão, onde a caligrafia de três gerações se mistura ao cheiro de manteiga e avelãs.
Entrar na Pasticceria Caldarola, na Via Piave, não é apenas visitar uma vitrine de doces; é folhear um álbum de família que começou sob o sol escaldante da Líbia, sobreviveu à fúria de uma guerra mundial e floresceu na elegância do norte da Itália.
Tudo começa longe do Piemonte. Começa em Ruvo di Puglia, no sul da Itália, com Paolo Caldarola. Empreendedor por vocação, ele parte com a esposa Benedetta em busca de oportunidades, passando por Roma até chegar à Líbia, então colônia italiana. Ali, no Norte da África, Paolo constrói sua primeira vida profissional como restaurateur, um homem de sala e cozinha, para quem comida sempre significou acolhimento.
Mas a História, com H maiúsculo, interrompe o percurso. A Segunda Guerra Mundial obriga a família a fugir. Não é uma mudança planejada, é uma urgência. Eles tiveram que fugir de verdade. O destino escolhido foi Novara: perto de Turim, onde já havia parentes, mas longe da grande indústria. Paolo e Benedetta não se viam nas fábricas da Fiat; queriam continuar fazendo o que sabiam melhor: transformar ingredientes em conforto.
No final dos anos 1940, abrem um restaurante com café. Trabalham muito, aceitaram encomendas, produziram para terceiros. Até que, em 1953, nasceu a primeira fábrica de biscoitos, instalada em um pátio simples. Dez anos depois, vem a intuição decisiva, eles perceberam que fazer apenas biscoitos não bastava, precisavam ter identidade própria.
Então na década de 1960, a confeitaria se estabeleceu definitivamente na Via Piave, onde permanece até hoje. É ali que surge o objeto mais precioso da casa: um grande livro de receitas manuscrito, iniciado por Paolo e depois ampliado por seu filho Pietro. Não é apenas um caderno técnico, é um diário de família, com anotações, ajustes, datas e pequenas obsessões que revelam como a tradição se constrói no detalhe.
Pietro assumiu o comando ao lado da esposa Rosalba, trazendo na bagagem experiências em Motta e Alemagna, quando ainda eram pequenas confeitarias artesanais. Depois, chega a terceira geração. Hoje, quem lidera a Caldarola são Luisa e Luca, formados pela ALMA e pelo Cast Alimenti, escolas que moldaram uma nova geração de confeiteiros italianos. A visão é contemporânea, mas o respeito pelo passado é absoluto.
O negócio cresceu sem perder a alma. São hoje três lojas em Novara e uma grande oficina artesanal na área produtiva da cidade, responsável por cerca de 85% da produção, distribuída diariamente para os pontos de venda. A tecnologia é moderna, mas os gestos seguem antigos.
Os sabores contam essa história melhor do que qualquer discurso. A massa quebrada milanesa é exatamente a mesma feita pelo avô. A polenta doce de milho e avelã, criada em 1959, nunca foi alterada. Os biscoitos de chá, amados pelos novareses, continuam sendo presença obrigatória. Ao lado deles, surgem ecos de outras geografias: tâmaras e fisális recheadas com laranja cristalizada, lembranças sutis de um passado africano.
Há também espaço para criações mais recentes que já viraram clássicos. O bolo de chocolate e pera com frutas frescas e ganache, criado há cerca de 30 anos, é um dos mais pedidos. E, no inverno, reina o bolo fermentado de San Gaudenzio. Tradicionalmente mais simples, na Caldarola ele assume forma quase de panetone, enriquecido com chocolate, marron glacé e avelãs. Vendido até o dia 22 de janeiro, pode em breve se tornar um símbolo permanente da estação fria, assim como o panetone, que a casa já oferece o ano inteiro.
Entrar na Caldarola é experimentar uma confeitaria que não corre atrás de tendências, mas atravessa o tempo com elegância. É provar uma história feita de migração, trabalho e escolhas corajosas. É entender que tradição não é repetição: é continuidade consciente.
No fim, talvez o maior segredo da Caldarola não esteja nos fornos nem no caderno manuscrito. Esteja na capacidade de transformar memória em sabor e fazer com que cada cliente leve, junto com a caixa de doces, um pedaço vivo da história italiana.

