ter. nov 11th, 2025

Máfia: pesquisa revela medo, mas também alto (e inquietante) risco de assuefação ao crime

Uma pesquisa realizada por Demos em colaboração com á associação antimáfia Libera reacende um debate delicado na sociedade italiana: o medo das máfias continua alto, mas cresce um fenômeno ainda mais inquietante, o da assuefação. Os dados mostram um país que reconhece a gravidade da criminalidade organizada, embora já não reaja a ela com a mesma intensidade de décadas atrás.

Segundo o levantamento, mais de nove em cada dez italianos consideram a máfia um problema nacional. A percepção não se limita ao Sul, região historicamente associada às organizações criminosas, mas se estende ao país inteiro. No entanto, quando a análise passa da visão geral à observação do território local, surgem diferenças marcantes. O medo é maior no Mezzogiorno, especialmente na Sicília e na Campania, e também no Norte-Oeste, com destaque para Piemonte e Lombardia. No Centro e no Nordeste, a presença mafiosa é percebida como mais distante, ainda que não ausente.

O mesmo padrão aparece na escala municipal: o sentimento de ameaça diminui, mas permanece elevado em áreas metropolitanas como Milão e Turim e nas grandes cidades do Sul. A paisagem da criminalidade muda conforme o observador se aproxima da própria realidade cotidiana.

Quando a pesquisa desloca o foco do conceito amplo de “máfia” para a identificação das diferentes organizações, o retrato se torna ainda mais definido. A ’Ndrangheta calabresa continua sendo considerada a mais perigosa, mencionada por 26% dos entrevistados. É vista como um poder econômico silencioso e penetrante, capaz de se infiltrar em circuitos legais com uma eficiência que alimenta o temor público.

Em segundo lugar aparece a Camorra napolitana, citada por 20% do público, em crescimento nos últimos dois anos. Já a Cosa Nostra desperta um nível de preocupação menor, em torno de 12%, resultado que permanece estável, embora em leve declínio conforme a organização perde centralidade no imaginário italiano.

O cenário muda mais uma vez quando entram em jogo as máfias estrangeiras. A preocupação com grupos chineses diminui, enquanto cresce a atenção voltada à chamada “máfia nigeriana”. A percepção pública acompanha os movimentos do crime organizado global e reflete as transformações dos últimos anos.

Um dos pontos mais marcantes do estudo é a dificuldade que os italianos veem no combate institucional ao crime organizado. Para a maioria, “enfrentar, se não derrotar” as máfias é um objetivo necessário, porém distante. A medida considerada mais eficaz continua sendo a confisca de bens mafiosos, que recebe apoio de 84% dos entrevistados. Essa aprovação quase unânime demonstra confiança simbólica e prática no impacto de retirar recursos econômicos dos grupos criminosos e devolver imóveis e empresas à coletividade.

Apesar disso, muitos acreditam que a confisca acarreta custos elevados para o Estado. Essa percepção revela uma contradição típica de sociedades que convivem há muito tempo com a criminalidade organizada: reconhecem a importância da repressão e da prevenção, mas se mostram cansadas, céticas ou sobrecarregadas pelos processos. Falta clareza sobre estratégias estatais e sobra a sensação de que a luta é mais difícil do que deveria ser.

O risco da assuefação: quando o mal deixa de chocar

Talvez o dado mais grave apontado pelo estudo seja o risco de assuefação. A pesquisa Demos-Libera mostra que a máfia inquieta, mas não provoca mais reações fortes. A ameaça é percebida como constante e difusa, mas, ao mesmo tempo, normalizada. A criminalidade organizada entra no cotidiano sem alarmar, transformando-se em cenário habitual.

Esse fenômeno lembra a ideia da “banalidade do mal”: quando algo profundamente negativo passa a ser tolerado por pura repetição. Aceitar a presença das máfias como um dado de realidade, mesmo que contradiga valores éticos fundamentais, significa renunciar ao enfrentamento. A preocupação cede espaço à resignação, e a sociedade se adapta ao que deveria combater. A assuefação é, portanto, uma forma silenciosa de derrota.

Ainda assim, o estudo mostra que não se trata de um quadro homogêneo. Há parcelas significativas da população que resistem, denunciam e participam de iniciativas de legalidade. Mas a coexistência entre mobilização e cansaço revela um país que vive um confronto interno entre memória, indignação e desgaste.

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