
Em uma reviravolta que ecoa em milhões de lares ítalo-descendentes ao redor do mundo, o Parlamento italiano deu nesta terça-feira (20) o aval definitivo a um decreto-lei que limita a transmissão da cidadania italiana por direito de sangue. A medida, que agora segue para a sanção presidencial — vista como mera formalidade — já acende um alerta vermelho em comunidades no exterior, especialmente no Brasil, e pode ser o estopim para uma batalha legal sem precedentes.
Com 137 votos a favor na Câmara dos Deputados, contra 83 contrários e duas abstenções, o texto já havia sido aprovado no Senado em 15 de maio. A nova legislação substitui a Lei da Cidadania de 1992, impondo um limite geracional que antes não existia: a cidadania só poderá ser reconhecida para quem tiver um ascendente de primeiro (pai ou mãe) ou segundo grau (avô ou avó) nascido na Itália. Além disso, esse ascendente deve ter possuído exclusivamente a cidadania italiana no momento de sua morte ou ter residido na Itália por pelo menos dois anos antes do nascimento ou adoção do filho.
Um Vínculo Efetivo ou Uma Ruptura Histórica?
O governo italiano justifica a mudança afirmando que ela “reforça a necessidade de um vínculo efetivo com a Itália” por parte dos descendentes nascidos no exterior, alinhando-se a outras leis europeias e garantindo a livre circulação na União Europeia apenas para aqueles que mantêm uma conexão real com o país de origem. A medida também prevê uma exceção para a estadia de trabalho além das cotas máximas para descendentes de italianos de países que receberam fluxos migratórios significativos, como o Brasil.
No entanto, a narrativa oficial encontra forte oposição. Para críticos no Parlamento e juristas, o decreto é um verdadeiro “trator sobre a Constituição”, acusando o governo de Giorgia Meloni de priorizar interesses ideológicos e eleitorais em detrimento de princípios jurídicos consolidados.
As Acusações de Inconstitucionalidade e a Batalha Que Se Anuncia
Os opositores da nova lei apontam cinco pontos cruciais de inconstitucionalidade:
- Violação ao princípio da igualdade (Art. 3): A lei criaria uma desigualdade entre descendentes com base em critérios arbitrários, como a posse de outra nacionalidade ou a data do protocolo do pedido.
- Ataque ao direito à identidade cultural (Art. 2 e Art. 9): A cidadania é vista como um elo cultural e histórico, e a restrição abrupta desconsideraria o papel simbólico na preservação das raízes familiares.
- Retroatividade disfarçada (Art. 25, §2): Apesar das exceções para processos em andamento, juristas alertam que situações como agendamentos não formalizados ou filhos não incluídos em pedidos podem ser afetadas, configurando uma retroatividade velada.
- Desproporcionalidade (Art. 3 combinado com Art. 16): Exigências de residência ou exclusividade de ancestralidade italiana são consideradas excessivas e injustificadas, criando obstáculos desproporcionais a um direito de origem.
- Desrespeito à missão da Itália com sua diáspora (Art. 35 e Art. 48): A Constituição atribui ao Estado o dever de manter e fortalecer os laços com os italianos no exterior, o que, para os críticos, é contradito por uma restrição em massa da cidadania.
Apesar das fortes críticas, o governo Meloni, eleito sob a bandeira de uma “Itália pura” e controle da imigração, avançou com a medida, utilizando o decreto-lei, instrumento que deveria ser reservado a situações de emergência.
Com a conversão definitiva em lei, advogados, associações de italianos no Exterior e partidos da oposição já articulam recursos judiciais para questionar sua validade perante a Corte Constitucional. A saga da cidadania italiana está longe de terminar, e o próximo capítulo promete ser disputado nos tribunais. Qual será o impacto real dessa decisão para as futuras gerações de ítalo-descendentes?