Um novo escândalo envolvendo a concessão da cidadania italiana volta a levantar dúvidas e inquietações sobre um processo que, para milhões de descendentes de italianos no exterior, representa identidade, pertencimento e futuro. Desta vez, a denúncia chega da região de Abruzzo e foi revelada pelo jornal italiano Il Centro, que detalha uma investigação pesada da Justiça sobre um sistema ilegal de venda de cidadanias em pequenos municípios da Val di Sangro.
Segundo a apuração, tornar-se cidadão italiano não dependia apenas de documentos e paciência. Em alguns casos, o preço teria sido pago em dinheiro; em outros, em votos para eleições municipais. Há ainda acusações mais graves e perturbadoras, que falam de favores pessoais e até de relações sexuais como moeda de troca para acelerar processos administrativos. Um quadro que vai muito além da burocracia e expõe um submundo de corrupção institucional.
O Ministério Público de Lanciano pediu o envio a julgamento de oito pessoas, entre elas dois prefeitos em exercício à época dos fatos, além de funcionários públicos e intermediários. A audiência preliminar está marcada para fevereiro de 2026. As acusações incluem associação criminosa, corrupção e falsidade ideológica em atos públicos, crimes que colocam no centro do debate a fragilidade dos controles em municípios muito pequenos.
O coração do esquema, segundo os investigadores, estaria no funcionamento do cartório de registro civil. Um funcionário histórico da área de anagrafe teria usado sua posição para “regularizar” residências fictícias de estrangeiros, principalmente sul-americanos, interessados na cidadania italiana por descendência, o chamado iure sanguinis. Casas vazias, imóveis degradados ou estruturas turísticas eram usadas como endereços de fachada, apenas para cumprir formalmente a exigência de residência em território italiano.
O jornal Il Centro relata que o sistema funcionou entre 2023 e 2024 e se dividia em dois grandes canais. Um deles atendia sobretudo cidadãos argentinos, com valores que chegariam a milhares de euros por processo. O outro teria foco em requerentes brasileiros, intermediados por figuras que organizavam a chegada, a documentação e a rápida saída da Itália após a obtenção do passaporte.
A rapidez era, segundo a investigação, o principal atrativo. Logo depois da concessão da cidadania, os novos italianos eram inscritos no AIRE, o cadastro de residentes no exterior, e cancelados do registro local. Assim, os municípios voltavam a parecer vazios, evitando alertas estatísticos ou fiscalizações mais profundas. Mais de 280 pessoas teriam passado por esse mecanismo, configurando um sistema estruturado e recorrente, não episódios isolados.
O caso chama atenção especialmente no Brasil, onde as filas para cidadania italiana nos consulados podem ultrapassar uma década. A longa espera acaba alimentando um mercado paralelo que promete atalhos rápidos, muitas vezes caros e agora, segundo a Justiça italiana, também ilegais.
Enquanto as defesas se preparam para contestar as acusações, o escândalo reacende um debate sensível: como proteger o valor da cidadania italiana, símbolo de história e migração, sem transformá-la em mercadoria? Para milhares de ítalo-descendentes que seguem o caminho legal, a notícia deixa um gosto amargo e a expectativa de que o sistema seja finalmente reforçado, para que identidade não seja confundida com privilégio comprado.
Escândalo das cidadanias: prefeitos acusados de vender passaportes italianos

