A Campânia acaba de ampliar o seu mapa mais íntimo e profundo: o das tradições que não se tocam com as mãos, mas se reconhecem no corpo, na memória e nos gestos cotidianos. A região apresentou oficialmente 46 novos elementos inscritos no Inventário do Patrimônio Cultural Imaterial da Campânia (Ipic), reafirmando a força de um território que vai muito além de suas paisagens famosas e cidades monumentais.
Mas o que é, afinal, patrimônio cultural imaterial? Diferente de igrejas, palácios ou sítios arqueológicos, ele é feito de práticas vivas: festas populares, rituais religiosos, saberes artesanais, expressões orais, culinária tradicional e celebrações coletivas. São tradições que as comunidades reconhecem como parte essencial de sua identidade e que se transmitem de geração em geração, mudando com o tempo, mas sem perder a alma.
Do verde montanhoso da Irpinia às costas luminosas do Cilento, passando pelas planícies do Casertano, os lagos e vulcões da área napolitana e os vilarejos históricos do Sannio, a Campânia se revela como um mosaico cultural vibrante. Cada território contribui com histórias próprias, enraizadas no trabalho da terra, na devoção religiosa, no calendário agrícola e nas festas que transformam vilas inteiras em palcos a céu aberto.
Entre os novos elementos reconhecidos estão celebrações antigas como o Maio de Santo Stefano, em Baiano, ligado aos ritos da primavera; os Cicci di Santa Lucia, de Atripalda, símbolo de partilha e devoção; e a intensa Procissão da Sexta-feira Santa com flagelantes, em San Lorenzo Maggiore. No litoral, tradições como a mitilicultura no Lago Fusaro, em Bacoli, mostram como o saber produtivo também é cultura viva. Já no sul, o Palio della Stuzza, em Castellabate, e o artesanato da cerâmica de Vietri, no coração da Costa Amalfitana, unem identidade local e beleza reconhecida no mundo inteiro.
A maioria dos novos registros pertence à categoria das celebrações, mas há espaço também para a cultura agroalimentar, os saberes tradicionais e as expressões artísticas. São práticas que ajudam a manter vivos pequenos centros, especialmente nas áreas internas, combatendo o esvaziamento e fortalecendo o sentimento de pertencimento.
Com essas novas inscrições, o inventário regional chega a 170 elementos catalogados, reunidos em uma publicação atualizada, bilíngue, que funciona como um verdadeiro atlas da memória campana. Um patrimônio que não está parado no passado, mas se renova a cada festa, a cada receita repetida, a cada gesto aprendido com os mais velhos.
Para quem olha a Itália de longe — como muitos brasileiros descendentes de italianos — esse reconhecimento é também um convite. Um convite a descobrir que a Campânia não é feita apenas de Nápoles, da pizza ou do Vesúvio, mas de centenas de comunidades que continuam contando sua história por meio da cultura viva.
É ali, entre montanhas, campos e vilarejos, que a tradição deixa de ser lembrança e continua sendo vida.
Da Irpinia ao Cilento, a Campânia amplia seu patrimônio cultural imaterial com 46 ‘perolas’

