A reforma da cidadania italiana aprovada em 2025 – que limitou o reconhecimento por descendência apenas aos casos em que pelo menos um avô tenha nascido na Itália, introduziu exigências documentais mais rígidas e alterou regras que afetam processos já em andamento – tinha um objetivo claro: reduzir drasticamente a avalanche de pedidos vindos do exterior.
Mas não funcionou.
Mesmo com o Decreto Tajani, com taxas elevadas (300 a 600 euros por pedido) e a limitação ao segundo grau de descendência, entre março e setembro de 2025 entraram 10.660 novos pedidos apenas em Veneza. Ou seja, os números continuam subindo e o Vêneto se consolida como o epicentro da pressão.
No distrito de Veneza, até o fim de setembro havia 31.456 processos de cidadania por descendência ainda pendentes. Considerando que cada ação costuma incluir famílias inteiras – frequentemente mais de dez pessoas – são quase 320 mil ítalo-descendentes aguardando o passaporte europeu.
A situação é tão extrema que sete em cada dez processos civis em Veneza tratam hoje de cidadania italiana, índice muito superior ao de cidades como Milão, Roma ou Nápoles, que não chegam a 2.300 pedidos pendentes. Diante do colapso, o tribunal criou uma task force com 22 juízes auxiliares, com a meta de reduzir 90% dos casos até 2026, conforme exigido pela União Europeia.
Os cartórios municipais também estão sobrecarregados: além das tarefas habituais, precisam reconstruir árvores genealógicas e localizar certidões centenárias. O acúmulo de atraso já gera sanções judiciais, como no município de Castagnaro (Verona), condenado a pagar 100 euros por dia de demora para três descendentes sul-americanos.
Escritórios especializados começaram a enviar notificações formais aos municípios pelos atrasos, e muitos profissionais tentam ampliar a interpretação da lei. O que, se aceito pelos tribunais, poderia permitir que até 80 milhões de pessoas no mundo reivindicassem a cidadania italiana. Prefeitos do Vêneto alertam que pequenos municípios simplesmente não têm estrutura para lidar com esse volume e pedem intervenção do governo.
Enquanto isso, a Corte Constitucional italiana deve decidir a partir de 11 de março de 2026 se todos os artigos da lei Tajani são legítimos, sobretudo aqueles relacionados à retroatividade da norma.
A decisão terá impacto direto em milhares de famílias brasileiras e argentinas, que continuam a ver a cidadania italiana não apenas como um benefício europeu, mas como um elo emocional com suas origens.
Cidadania italiana: o Decreto Tajani não funciona. Mesmo com restrições, pedidos disparam no Vêneto

