A marca britânica de luxo Burberry anunciou um corte de aproximadamente 20% de sua força de trabalho global, correspondendo a cerca de 1.700 vagas, integrando um plano de reestruturação com economia de £60 milhões até abril de 2027 . No centro desse ajuste está a degradação no desempenho financeiro: em 2024, o lucro operacional ajustado caiu de £418 milhões para apenas £26 milhões, com queda significativa nas vendas em todas as regiões .
O impacto em Roma e na Itália
Na Itália, onde a Burberry emprega cerca de 330 profissionais, foi aberta uma demissão coletiva envolvendo 39 pessoas. Quatro desses cortes estão previstos para a boutique outlet em Castel Romano, uma das três lojas da marca na capital (as demais em La Rinascente e no aeroporto de Fiumicino). A marca já havia encerrado sua operação na emblemática Via dei Condotti, símbolo do luxo romano, apontando para uma retirada gradual do mercado local .
Além das demissões, os sindicatos alertam que diversos contratos temporários não serão renovados. As negociações com os sindicatos italianos (Filcams‑CGIL, Fisascat‑CISL e UILTuCS) destacam que a proposta oferecida pela empresa para rescisões — e realocações internas — é insuficiente. Incluem sugestões como transferências a Milão Malpensa, mudança de regime de tempo integral para meio período e pacotes de saída com compensação financeira considerada abaixo do esperado .
Crise do setor luxo: causas e consequências
A crise que atinge a Burberry é parte de um quadro mais amplo. Em 2024, o mercado global de bens de luxo registrou uma queda de 2% nas vendas, perdendo cerca de 50 milhões de clientes e levantando sinais de uma desaceleração estrutural jamais vista desde 2008 . A demanda nos principais mercados — Estados Unidos e China — estagnou simultaneamente, fenômeno sem precedentes segundo analistas da Bain & Company e Altagamma .
Para agravar, os preços dos produtos de luxo dispararam — até 52% desde 2019 — desafinando com a percepção de valor real pelos consumidores, inclusive os mais ricos . Muitos consumidores “aspirazionali”, antes motivados por status, passaram a reduzir drasticamente seus gastos no setor.
Marcas italianas como Brunello Cucinelli e Loro Piana ainda obtêm resultados sólidos graças à autenticidade e exclusividade de seu posicionamento, mas grandes conglomerados como Kering e LVMH enfrentam quedas em vendas de até 20‑25% em segmentos importantes como couro e moda .
O que os sindicatos exigem
Os sindicatos italianos rejeitam demissões como “solução para má gestão e investimentos desperdiçados” e pedem alternativas viáveis:
- Uso de redes de proteção social e acordos de redução voluntária da jornada (meio período com apoio financeiro);
- Replanejamento das operações, com planos de sustentabilidade interna para boutiques;
- Incentivos para desligamentos voluntários, em substituição a demissões forçadas .
Um estado de greve nacional foi declarado em resposta às negociações — embora, até o momento, nenhuma ação específica tenha sido convocada em Roma.
O retrato da instabilidade econômica
Burberry não é caso isolado — a reestruturação de grandes marcas reflete a fragilidade de modelos que priorizam lucros excessivos em momentos de alta, mas transferem o custo da reviravolta aos trabalhadores em tempos de crise. Quando o consumo desacelera, quem paga o preço são os funcionários.
Essa tendência reforça a urgência de repensar modelos produtivos e sociais no setor do luxo, que cresce seletivamente apenas entre os consumidores ultra ricos, enquanto o restante do mercado encolhe — prejudicando emprego, tradição e sustentabilidade industrial .
A delicada operação de redução de pessoal da Burberry em Roma escancara o abalo que atinge o setor de luxo mundial. Em um contexto de vendas estagnadas, consumidores desconectados do valor percebido e pressões econômicas globais, a saída dos trabalhadores se torna símbolo de um setor que precisa urgentemente se reinventar — mantendo a elegância não apenas em vitrines, mas também na forma de gerir sua força de trabalho, com equidade, planejamento e responsabilidade social.