seg. out 13th, 2025

Bienal de Veneza celebra o diálogo entre Brasil e Itália com Rosana Paulino e Adriana Varejão: duas potências da arte contemporânea brasileira

A Fundação Bienal de São Paulo anunciou oficialmente as artistas que representarão o Brasil na 61ª Exposição Internacional de Arte da Bienal de Veneza — um dos mais prestigiados eventos do cenário artístico mundial. Sob a curadoria de Diane Lima, o Pavilhão do Brasil trará o projeto “Comigo ninguém pode”, protagonizado por Rosana Paulino e Adriana Varejão, duas das mais importantes artistas brasileiras da contemporaneidade. A escolha reflete não apenas a força da arte feminina, mas também o compromisso do Brasil em revisitar sua própria história e identidade por meio de uma perspectiva crítica e sensível.

A presença das duas artistas na Bienal de Veneza, espaço que historicamente conecta a Europa ao mundo, simboliza um reencontro entre Brasil e Itália, entre colônia e metrópole, entre passado e presente. O diálogo entre as linguagens visuais de Paulino e Varejão promete provocar reflexões profundas sobre memória, corpo, raça e colonialismo — temas que marcam de forma indelével a produção artística e social do país.

Rosana Paulino: a memória costurada da história brasileira

Nascida em São Paulo em 1967, Rosana Paulino é uma das vozes mais potentes da arte contemporânea brasileira. Doutora em Artes Visuais pela ECA/USP e com especialização em gravura pelo London Print Studio, Paulino construiu uma trajetória marcada pela reconstrução de memórias e identidades apagadas da história oficial — em especial, as das mulheres negras.

Suas obras utilizam o tecido, a costura e a fotografia como instrumentos simbólicos de reparação e denúncia. Trabalhos emblemáticos como “Parede da Memória” (1994) e “Bastidores” (1997) exploram o bordado e o ato de suturar como metáforas das feridas abertas pelo racismo estrutural e pelo legado da escravidão. Já séries como “Assentamento” (2013) e “Atlântico Vermelho” (2017) expandem esse olhar para o corpo e a diáspora africana, conectando o sofrimento coletivo à construção de uma identidade resiliente e plural.

Em 2018, a Pinacoteca de São Paulo realizou uma grande retrospectiva de sua obra, reafirmando sua importância no cenário artístico nacional. Desde então, Paulino tem participado de exposições internacionais, incluindo a 59ª Bienal de Veneza (2022), e recebeu o Prêmio Konex Mercosur no mesmo ano, consolidando seu reconhecimento continental.

Na Bienal de Veneza de 2025, Paulino trará novamente sua poética da reparação, em que bordar é resistir e reconstruir, revelando as camadas históricas e emocionais que compõem o corpo social brasileiro.

Adriana Varejão: fissuras do corpo e da história

Nascida no Rio de Janeiro em 1964, Adriana Varejão é amplamente reconhecida como uma das mais importantes artistas do Brasil e da América Latina. Sua obra investiga as tensões entre colonialismo, mestiçagem e violência, explorando o diálogo entre as estéticas do barroco, os azulejos portugueses e as feridas simbólicas do corpo e da história.

Desde o final dos anos 1980, Varejão vem produzindo uma arte que transita entre pintura, instalação e escultura. Em trabalhos como “Parede com Incisões à la Fontana II” (2000) e “Celacanto provoca maremoto” (2004), ela cria superfícies que parecem cortar a própria pele da pintura, revelando camadas de carne, sangue e memória sob o verniz da civilização.

Suas exposições individuais em instituições como o MoMA (Nova York), Tate Modern (Londres), Centre Pompidou (Paris) e Inhotim (Brasil) consolidaram sua presença no circuito internacional. Em 2022, sua mostra “Suturas, Fissuras, Ruínas”, apresentada na Pinacoteca de São Paulo, foi amplamente aclamada por sua força estética e conceitual, reafirmando sua posição como uma das vozes mais expressivas da arte contemporânea global.

A escolha de Varejão para a Bienal de Veneza reforça o papel da artista como cronista visual das cicatrizes coloniais — aquelas que, embora invisíveis, ainda moldam o imaginário e a identidade do Brasil.

“Comigo ninguém pode”: força, ancestralidade e resistência

O título do projeto curatorial, “Comigo ninguém pode”, evoca a planta popularmente conhecida no Brasil por sua capacidade de afastar o mal e simbolizar a proteção espiritual. A curadora Diane Lima propõe um diálogo entre as obras de Paulino e Varejão para refletir sobre a potência feminina, a resistência e a cura.

A união dessas duas artistas representa um encontro entre corpo e história, ferida e sutura, beleza e dor — dimensões complementares de uma mesma narrativa que atravessa séculos de colonização, opressão e, sobretudo, sobrevivência.

Ao levar essas vozes à Bienal de Veneza, o Brasil reafirma sua relevância na arte mundial e projeta uma imagem de país que reconhece suas origens, questiona seu passado e reivindica novos futuros.

Brasil e Itália: um diálogo simbólico e contemporâneo

A presença brasileira na Bienal de Veneza — uma cidade que por séculos simbolizou o cruzamento entre culturas, mares e civilizações — ganha um significado especial neste momento histórico. Rosana Paulino e Adriana Varejão representam um Brasil plural, crítico e criativo, que dialoga com o mundo sem perder suas raízes.

A arte de ambas é, em essência, um espelho das contradições e das belezas do Brasil, e sua exibição na Itália, berço de tantas influências estéticas e religiosas que moldaram o imaginário brasileiro, fecha um ciclo simbólico entre colonizador e colonizado — agora em um terreno de igualdade, reconhecimento e potência criadora.

A 61ª Bienal de Veneza será, assim, mais do que uma vitrine da arte brasileira: será um ato de memória, reparação e celebração, em que as vozes de Paulino e Varejão ecoam como testemunhos poéticos da força feminina, da arte e da história compartilhada entre Brasil e Itália.

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