qua. ago 27th, 2025

Apartamento dos Bórgia: entre luxo, venenos e segredos no Vaticano.

ByMauro Fanfoni

27 de agosto de 2025 ,

Por trás das portas afrescadas do Apartamento Bórgia, no coração do Palácio Apostólico, escondem-se até hoje não apenas as cores vibrantes do Renascimento, mas também as sombras de uma das famílias mais controversas da história. Foi ali que Rodrigo Bórgia, eleito papa com o nome de Alexandre VI, transformou espaços privados em palco de poder, sedução e medo.

No final do século XV, essas salas foram muito mais do que simples ambientes de representação: tornaram-se o cenário de um papado que amava o luxo e não temia o escândalo. Crônicas da época descrevem banquetes suntuosos que se prolongavam até o amanhecer, com músicas, danças que ecoavam sob abóbadas douradas e a presença de cortesãs e amantes que animavam as noites vaticanas.

O episódio mais célebre, conhecido como o “Banquete das Castanhas”, teria reunido dezenas de prostitutas em jogos licenciosos diante de prelados e nobres, com prêmios distribuídos pelo próprio pontífice. Talvez fruto de exagero dos cronistas hostis, mas suficiente para eternizar na memória coletiva a imagem de um Vaticano transformado em salão mundano.

Não menos sombrios foram os episódios ligados aos filhos do papa. César Bórgia, o predileto, fez das salas vizinhas sua base de comando. Ali se decidiram destinos de rivais políticos e ali, segundo testemunhos, consumou-se o assassinato de Afonso de Bisceglie, jovem marido de sua irmã Lucrécia. Esfaqueado e depois estrangulado em 1500, seu corpo desapareceu sob o silêncio cúmplice das paredes papais.

A fama de César como condottiere implacável e mestre em venenos ecoou em relatos que atribuíam a taças de vinho “corrigidas” a morte de cardeais incômodos. Nunca houve provas definitivas, mas a lenda do veneno dos Bórgia nasceu justamente entre aquelas salas.

Nesse mesmo cenário viveu e sofreu Lucrécia Bórgia, a mais célebre dos filhos. Instrumento político nas mãos do pai e do irmão, foi entregue em casamento diversas vezes para selar alianças estratégicas. Alguns afirmam reconhecer em um afresco da Sala dos Santos seu rosto transfigurado no de uma santa guerreira — talvez uma tentativa de celebrá-la sob um véu sagrado.

As más línguas da época lhe atribuíram paixões secretas, traições e até relações incestuosas. Histórias difíceis de comprovar, mas suficientes para marcar para sempre sua imagem e entrelaçar seu nome ao mito sombrio da família.

Em 1503, a morte repentina de Alexandre VI acrescentou um último capítulo à lenda. Teria sucumbido à malária ou, como alguns sustentaram, ao próprio veneno que preparara para um rival. Com ele, desapareceu também a temporada dourada e escandalosa dos apartamentos.

Seu sucessor, Júlio II, jamais quis pôr os pés ali: as salas permaneceram fechadas por séculos, como se a memória de intrigas, prazeres e crimes as tivesse tornado impraticáveis.

Hoje, quem percorre o Apartamento Bórgia admira os afrescos de Pinturicchio, mas caminha também por um espaço carregado de ecos. Cada sala guarda não apenas a beleza renascentista, mas também relatos de venenos, punhaladas e paixões proibidas.

Mais do que qualquer outro recanto do Vaticano, esses aposentos revelam o rosto humano e frágil do poder — aquele que, sob o manto da religião, não soube resistir à tentação da carne, do sangue e do segredo.

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