A abertura ao público da chamada “Passagem de Cômodo” no Coliseu é um evento de grande relevância para a história da arte e a arqueologia romana: um espaço secreto, até agora reservado, que finalmente se torna visível — e com ele, mais um fragmento da experiência monumental antiga emerge da escuridão.
O corredor oculto: história e arqueologia
A “Passagem de Cômodo” é um corredor subterrâneo com abóbada que ligava o pulvinar — o camarote imperial reservado às autoridades — ao exterior do Anfiteatro Flávio. Essa ligação permitia que o imperador chegasse diretamente ao seu assento sem precisar atravessar os espaços usados pelos gladiadores ou pelo público.
Surpreendentemente, o corredor não fazia parte do projeto original do Coliseu: foi escavado posteriormente, entre o final do século I e o início do II d.C., aproveitando os espaços das fundações e as cavidades estruturais já existentes.
Segundo as análises arqueológicas, o percurso se desenvolve em três trechos irregulares. As inscrições encontradas nos tijolos das paredes permitem datar a construção entre os períodos de Domiciano e Trajano.
O nome “Passagem de Cômodo” vem de um relato do historiador Cássio Dion, que descreve como o imperador Cômodo — famoso por sua paixão pelos combates de gladiadores — utilizava esse corredor para entrar na arena. Em um desses ambientes teria ocorrido uma tentativa de assassinato contra ele.
Ao longo dos séculos, o corredor sofreu degradações, colapsos parciais, infiltrações e camadas sucessivas de reboco e estuque, o que dificultou sua interpretação e acesso.
O restauro e a reabertura
O projeto de restauro, que durou cerca de um ano, envolveu a reconstrução de trechos da abóbada desabada, o reforço estrutural, o tratamento das superfícies decoradas e o restauro dos revestimentos originais. Também foi criado um percurso interno para visitantes e um sistema de iluminação que permite atravessar o corredor sem alterar sua atmosfera original.
Nesta primeira fase, foram abertos ao público cerca de 30 metros do corredor. Outras partes serão restauradas e escavadas futuramente, expandindo o trajeto além do perímetro do Coliseu.
Segundo Alfonsina Russo, diretora do Parque Arqueológico do Coliseu, a abertura representa “um resultado extraordinário”, capaz de unir pesquisa, conservação e valorização de um patrimônio que é, ao mesmo tempo, testemunho e instrumento de conhecimento.
Entre os elementos mais fascinantes estão as decorações redescobertas: fragmentos do revestimento em mármore, estuques com cenas mitológicas (como Dionísio e Ariadne) e nichos com figuras ligadas às lutas da arena, como caçadas e duelos.
Significado simbólico e valor estético
A abertura da Passagem de Cômodo não é apenas uma operação técnica, mas um gesto simbólico que amplia a percepção do Coliseu como uma verdadeira “máquina cênica”. Durante décadas, o público pôde explorar a arena, os subterrâneos e as arquibancadas; agora, um novo trajeto revela os bastidores do monumento, oferecendo uma visão mais íntima das fundações e das estratégias arquitetônicas que articulavam espetáculo e poder.
Do ponto de vista artístico, a reabertura oferece a oportunidade de estudar de perto superfícies decoradas há muito ocultas. A análise dos estuques, dos relevos e dos pigmentos preservados trará novos dados sobre as técnicas decorativas da era imperial e sobre os modelos figurativos que aproximavam o mito das lutas gladiatórias.
Mais do que isso, esta abertura convida à reflexão sobre o monumento como entidade viva no tempo. Restaurar e tornar acessível o que estava invisível não é apenas conservar: é atualizar a experiência do patrimônio, onde a arqueologia encontra a cidade contemporânea e transforma o invisível em visível.