Por onde Giorgia Meloni está levando a Europa? A pergunta, lançada em letras marcantes na capa da revista Time, ecoa não apenas como título de uma reportagem, mas como um chamado ao mundo para prestar atenção no novo eixo de poder que surge em Roma. Na matéria assinada pelo editor-chefe em Washington, Massimo Calabresi, a primeira-ministra da Itália é retratada como uma das figuras mais influentes e intrigantes do continente — uma mulher que, com raízes modestas e ideologia conservadora, transformou sua biografia em força política e sua obstinação em estratégia geopolítica.
Criada no bairro operário de Garbatella, em Roma, filha de uma mãe solo, Giorgia Meloni iniciou sua trajetória política ainda adolescente, ao ingressar na Frente da Juventude do Movimento Social Italiano. De lá, escalou uma montanha íngreme e carregada de estigmas. Tornou-se ministra aos 31 anos no governo de Silvio Berlusconi e, em 2022, alcançou o ápice: foi eleita primeira-ministra, a primeira mulher a comandar o governo da Itália. O seu partido, Fratelli d’Italia, que em 2013 mal alcançava 2% nas intenções de voto, hoje lidera o bloco de centro-direita e dita o tom do debate nacional.
A Time enxerga em Meloni mais do que uma política de traço conservador. Vê nela a encarnação de um novo tipo de nacionalismo europeu: menos ideológico, mais institucional, moderadamente populista, pró-Ocidente, mas sem abdicar de seu próprio DNA identitário. “Ela emergiu como uma das figuras mais interessantes do continente”, afirma Calabresi, ao lembrar o protagonismo da líder italiana em cúpulas internacionais e sua desenvoltura em diálogos com líderes como Joe Biden, Ursula von der Leyen e Donald Trump.
O texto da revista dedica espaço generoso à imagem pública construída por Meloni ao longo dos anos — e ao emblemático discurso de 2019, em que resumiu sua identidade política em uma frase que viralizou: “Sou Giorgia, sou mulher, sou mãe, sou cristã, sou italiana”. Tornou-se um grito de guerra, uma espécie de mantra da nova direita europeia. Mas, segundo a reportagem, é agora, no poder, que seu projeto político se revela em profundidade: um governo que apoia a OTAN e a União Europeia, que respalda a Ucrânia, que busca conter a influência da China, mas que, internamente, endurece leis migratórias, restringe direitos civis e concentra poder no Executivo.
Meloni, como retrata a entrevista, não recua diante das críticas — nem das comparações que constantemente a rondam. “Me acusaram de tudo o que se possa imaginar, desde a guerra na Ucrânia até a morte de pessoas no Mediterrâneo. E simplesmente porque não têm argumentos. Não sou racista. Não sou homofóbica. Não sou nada daquilo que dizem que sou”, afirma, antes de lançar ao repórter a pergunta que reverbera como desafio: “Há algo sobre o fascismo que minha experiência lhe lembra ou que se relaciona com o que estou fazendo no governo?”.
A primeira-ministra aparece como uma figura de controle absoluto, que dos bastidores às câmeras sabe onde pisa. “Sou capricorniana. Digamos que sou obcecada por certas coisas”, confessou, ao relembrar o encontro com Donald Trump na Casa Branca, em abril. Segundo a Time, Meloni conduziu a conversa com firmeza — abordou temas delicados como a guerra na Ucrânia, defendeu Volodymyr Zelensky e conseguiu evitar choques diretos com o republicano. “Ele é um lutador, e eu sou uma lutadora”, resumiu. A revista também destaca que seu governo tem como foco fortalecer o poder do Executivo, promover reformas no Judiciário e adotar políticas migratórias mais rigorosas — algumas já alvo de questionamentos judiciais.
Outras ações incluem o endurecimento das leis de segurança, ataques à imprensa e a proibição da barriga de aluguel, mesmo quando realizada no exterior — decisão que provocou forte reação de grupos de direitos civis.
A reportagem também aborda episódios pessoais marcantes, como o incêndio que destruiu a casa onde vivia com a mãe e a irmã. Um trauma que, segundo ela, moldou a resiliência que exibe até hoje. Mas é no presente que Giorgia Meloni constrói seu verdadeiro legado — um nacionalismo calculado, moldado por poder institucional, temperado com um conservadorismo combativo e projetado para durar além do ciclo eleitoral.
Se a história costuma girar em torno de homens de paletó e punhos fechados, Giorgia Meloni, de vestido escuro e olhos fixos na capa da Time, parece dizer que não apenas está no jogo — está redesenhando o tabuleiro.