qui. out 30th, 2025

A dois passos do Papa

A manhã começa cedo no bairro Borgo. Às 6h45, quando Roma ainda está suspensa entre o sono e o trânsito, os sinos da Basílica de São Pedro ecoam como um chamado que atravessa os muros do Vaticano e desliza até os prédios em tons de mel. Para os moradores, é um som familiar. “A gente chama de nosso relógio natural”, conta Giulia, que abre seu bar todos os dias numa rua próxima à Porta Angelica. “Antes mesmo de os turistas chegarem, dá tempo de cumprimentar os vizinhos e os padres indo para a cúria: é outra Roma, menor, quase uma cidadezinha.”

Mas a cidadezinha desperta rápido. Às oito da manhã, as primeiras filas começam a se formar na entrada dos Museus Vaticanos, e o bairro muda de ar. Por causa da estação de metrô Ottaviano – San Pietro, grupos guiados e famílias de mochila às costas chegam como um rio silencioso que logo explode em vozes, cores e línguas diferentes. Assim, entre um padre tomando café e uma freira atravessando a rua com passo apressado, Borgo Pio se anima: o mundo inteiro entra em cena.

Para quem trabalha aqui, o Vaticano é um empregador invisível. “Metade dos meus clientes vem lá do colunado”, brinca Andrea, dono de uma pequena trattoria. “Se o Papa aparece na janela, eu lotoooo.” É uma vantagem, claro. Mas tem seu preço. Os aluguéis sobem, as lojas de antigamente desaparecem. Os moradores percebem, comentam, alguns sofrem com isso. “Tem que fazer compras cedo, senão você acaba cercada de ímãs e crucifixos”, desabafa Maria, uma senhora que puxa seu carrinho pela Via Crescenzio.

E depois vêm aqueles dias especiais. Quando há um grande evento no Vaticano, tudo para. As ruas fecham, as barreiras brotam como cogumelos, e as forças de segurança controlam as entradas. “A gente vive em um bairro supervigiado e nem sempre isso é confortável”, diz Luca, designer gráfico que vai ao trabalho de bicicleta. “Às vezes, até sair para um simples café vira uma gincana.”

Apesar das dificuldades, este é um lugar onde o sagrado e o cotidiano se tocam o tempo todo. O Vaticano está do outro lado do muro, mas sua presença está em toda parte: no vai e vem discreto dos religiosos, nos peregrinos que perguntam apontando para o céu, nos olhos de quem chega para ver algo inesquecível ao menos uma vez na vida.

Ao anoitecer, quando os turistas desaparecem como uma maré que recua, o bairro reencontra sua intimidade. As pracinhas se enchem de famílias, as mesas ao ar livre de romanos que riem, conversam, tiram do bolso o balanço do dia. São Pedro, iluminada, domina a cena: um farol que lembra a todos quem é o vizinho de casa.

Prati-Borgo é isso: uma fronteira que não limita. Um ponto onde Roma se torna mais internacional e mais espiritual, sem deixar de ser profundamente ela mesma. Onde o peso da história é tão grande que até a rotina parece ter memória. E onde, todos os dias, caminhando entre o burburinho dos comerciantes e os guardas suíços em patrulha, você se dá conta de que aqui o ordinário sempre tem um toque de extraordinário.

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