sex. dez 19th, 2025

Cutigliano, o vilarejo do Abetone onde a Toscana respira

Há um ponto, nos Apeninos da província de Pistoia, em que a Toscana parece abaixar a voz. As estradas se estreitam, as casas se aproximam, a floresta ganha espaço. É ali que surge Cutigliano, apoiado sobre um esporão rochoso como se buscasse proteção na montanha. Um vilarejo medieval que não se exibe, mas se deixa descobrir lentamente, passo a passo, entre silêncios, pedra e ar puro.

Aqui o tempo não é um inimigo a ser vencido. É um companheiro de viagem. Cutigliano é um daqueles lugares que não pedem atenção, mas a merecem. Premiado com a Bandeira Laranja do Touring Club Italiano e incluído no circuito dos Borghi più belli d’Italia, conserva um equilíbrio raro entre história, natureza e vida cotidiana. Nada de multidões, nada de vitrines gritadas. Apenas o ritmo autêntico da montanha toscana.

Estamos no coração do alto Apenino pistoiese, fração principal do município de Abetone Cutigliano, em uma posição que durante séculos foi estratégica e que hoje é simplesmente privilegiada. Deste ponto elevado, o olhar se abre para o campo, para as florestas densas, para os perfis suaves que separam a Toscana da Emília-Romanha. É uma terra de fronteira que aprendeu a guardar aquilo que realmente importa.

O centro do vilarejo é dominado pelo Palazzo dei Capitani di Montagna, construído no século XIV, quando Cutigliano era o fulcro administrativo da montanha pistoiese. Sua fachada ainda conta hoje o poder e a história de Florença, com brasões heráldicos em pedra e terracota que falam de alianças, governos e controle do território. Pouco distante, uma fonte do século XV continua fazendo o que sempre fez: dar água, dar vida.

Em frente ao palácio, a Loggia dei Capitani conserva o Marzocco original, símbolo da República Florentina. Um leão de pedra que parece ainda observar a passagem do tempo, protegido sob arcos elegantes que outrora abrigavam atividades judiciais. Tudo aqui é medida, proporção, sobriedade. A beleza não precisa levantar a voz.

As igrejas revelam outro rosto do vilarejo. A Madonna di Piazza, com sua harmonia renascentista, guarda uma terracota vidrada atribuída a Benedetto Buglioni, onde devoção e arte se fundem. Pouco fora do centro, ao final de uma alameda arborizada que convida ao silêncio, a igreja de San Bartolomeo surge como um refúgio espiritual imerso no verde. Em seu interior, pinturas importantes e uma história marcada por eventos dramáticos, como a violenta rivalidade do século XVI que levou à sua destruição e posterior reconstrução. Também as feridas, aqui, fazem parte do relato.

Mas Cutigliano não é apenas pedra e memória. É, sobretudo, natureza. Ao redor do vilarejo se estende um dos complexos montanhosos mais completos da Toscana. O Abetone, com seus quilômetros de pistas e sistemas de transporte, é um destino histórico do esqui italiano. No inverno atrai esportistas de todos os níveis; no verão, transforma-se em um refúgio fresco, verde e silencioso. As trilhas se multiplicam, as caminhadas viram exploração, a montanha deixa de ser desafio e volta a ser casa.

A Doganaccia representa a alma mais recolhida desse território. Menos cheia, mais íntima, ligada ao vilarejo por um teleférico que atravessa bosques de faias e abetos vermelhos. No inverno é neve e lentidão; no verão, ponto de partida para trilhas, passeios a cavalo, percursos de mountain bike e descidas cheias de adrenalina. Também aqui, nada é excessivo. Tudo é humano.

Para quem deseja compreender de verdade essa montanha, o Ecomuseu da Montanha Pistoiese é uma chave preciosa. Ele conta a relação antiga entre o homem e a paisagem, entre o trabalho e a sobrevivência. Moinhos, geleiras artificiais, ferrarias, carvão e castanhas tornam-se memória viva, experiência, narrativa compartilhada. É um museu que não se visita apenas: atravessa-se.

E então há a comida. A montanha pistoiese não cozinha para impressionar, mas para nutrir. Castanhas, cogumelos, queijos de leite cru, frutas silvestres contam uma culinária sincera, sazonal, profundamente ligada ao território. Os macarrões com pato, a sopa do carcerário, o castagnaccio não são pratos de cartão-postal, mas histórias para serem degustadas lentamente.

Cutigliano é isso. Um vilarejo que não promete espetáculo, mas entrega equilíbrio. Um lugar onde a Toscana para de correr e se lembra, finalmente, de como se respira.

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