No coração do Molise, na pequena cidade de Agnone, dezembro não é apenas tempo de Natal. É o “mês do fogo”, um dos rituais mais antigos e fascinantes da Itália, celebrado há séculos para marcar a purificação, a proteção da comunidade e a chegada da luz no período mais escuro do ano.
Pouco conhecido no Brasil, este patrimônio vivo é hoje candidato ao reconhecimento como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco. E merece ser descoberto.
A Festa dei Fuochi Rituali reúne 26 municípios e 18 associações de quatro regiões italianas (Molise, Abruzzo, Puglia e Toscana), todas guardiãs de tradições ancestrais ligadas ao fogo.
No dia 6 de dezembro, quando o evento é inaugurado, o centro histórico de Agnone se transforma em um rio de chamas: chegam as farchie abruzzesi, enormes fachos de cana e madeira; os fuochi pugliesi; as fiaccole toscane; e, sobretudo, as imponentes ‘ndocce molisane, torças gigantes transportadas sobre os ombros em cortejo.
O mês prossegue com dois momentos-chave. Em 13 de dezembro acontece a Grande ‘Ndocciata, um espetáculo impressionante que atrai milhares de visitantes e ilumina toda a cidade com fachos de até três metros de altura. Já na véspera de Natal, a ‘Ndocciata della Tradizione resgata a versão mais íntima e espiritual do rito, preservada pelas famílias locais como símbolo de identidade e continuidade.
Segundo o estudioso Domenico Meo, que coordena a iniciativa, o fogo representa “renovação, proteção e coesão social”, valores essenciais em sociedades rurais que dependiam da luz para atravessar o inverno e afastar perigos. Ainda hoje, participar da ‘ndocciata é visto como um ato de pertencimento profundo à comunidade.
Para o prefeito Daniele Saia, a criação de uma rede nacional dos rituais do fogo fortalece a candidatura ao reconhecimento internacional e confirma Agnone como capital italiana dessa tradição milenar. O evento é promovido pelo Comune di Agnone, pela associação La Ndocciata e pela Pro Loco, com apoio da Região Molise.
Entre patrimônios gastronômicos, cidades históricas e festas religiosas, o “mês do fogo” de Agnone mostra um lado pouco conhecido da Itália: rituais pagãos que resistiram ao tempo e que, ainda hoje, iluminam o inverno com cultura, devoção e memória.
Agnone e o “mês do fogo”: o ritual ancestral que busca o Unesco

