Fuga silenciosa: Itália tem 6,5 milhões de cidadãos no exterior. País perde jovens e número cresce sem parar

Pela primeira vez, o número de italianos residentes fora do país supera com folga o total de estrangeiros que vivem dentro das fronteiras nacionais. Mesmo os migrantes econômicos escolhem outras metas
Os dados mostram uma mudança profunda e contínua. Apenas em 2024, foram 278 mil novas inscrições no registro consular (Aire), um aumento de 4,5% em um ano. No total, o crescimento da população italiana no exterior dobrou desde 2006. As partidas alcançaram 155.732 pessoas no último ano, um recorde histórico segundo o Instituto nacional de Estatística (Istat).
A migração italiana contemporânea, segundo o relatório, não pode mais ser chamada apenas de “fuga de cérebros”, como o fenomeno foi batizado anos atras. Quem parte não é apenas o jovem altamente qualificado em busca de carreira internacional, mas também profissionais de todas as áreas, famílias inteiras e até aposentados. A fuga é mais ampla, mais difusa e mais silenciosa.
O aumento das partidas é particularmente acentuado entre os jovens, mas o fenômeno já envolve também mulheres – que cresceram 115% em vinte anos – e adultos acima dos 50 anos, muitos deles pais e avós que se unem aos filhos no exterior. A Europa continua sendo o principal destino (76% dos emigrantes italianos), com destaque para Reino Unido, Alemanha e Suíça.
Nos últimos anos, a mobilidade tornou-se mais complexa: há quem parta, volte e volte a sair. Mas, como observa a Fundação Migrantes, a constância está nas razões. Por trás de cada partida, há uma mistura de escolhas pessoais. Para a maioria a motivação è o sistema bloqueado e a frustração do mérito.
O relatório é claro: a emigração italiana atual é uma resposta estrutural a um País travado. Falta estabilidade no emprego, faltam oportunidades de crescimento e políticas públicas eficazes, falta reconhecimento do mérito. Muitos italianos descrevem o desejo de partir como reação a um sentimento de exclusão, frustração e invisibilidade.
Essas condições explicam por que o fenômeno deixou de ser passageiro. A Fundação Migrantes alerta que o maior risco, hoje, é a transformação da emigração temporária em definitiva. Ou seja, não é mais apenas o jovem que vai estudar fora e volta depois. É a família que se estabelece, o profissional que constrói uma vida e não encontra razões para regressar.
O país è menos atrativo, mesmo para os migrantes. Ao mesmo tempo, a Itália se mostra cada vez menos atrativa para quem chega. O crescimento da população estrangeira residente desacelerou fortemente, invertendo uma tendência histórica. Em 2019, o número de imigrantes e de italianos no exterior era o mesmo (5,3 milhões). Hoje, há um milhão a mais de italianos fora do país do que estrangeiros vivendo nele.
Essa inversão ajuda a entender o momento atual: o país que um dia foi sinônimo de destino e acolhimento se tornou, aos poucos, um ponto de partida. A Itália exporta seus jovens, seus profissionais e sua energia criativa, enquanto perde capacidade de atrair quem busca novas oportunidades.
Com 6,4 milhões de cidadãos registrados no exterior, a chamada Itália fora da Itália já é considerada a “vigésima primeira região” do país. Um território simbólico, disperso, mas coeso por vínculos de língua, cultura e memória.
Para a Fundação Migrantes, compreender esse novo mapa humano é essencial.
A mobilidade italiana, mais do que uma estatística, é um espelho do que a sociedade se tornou: um país que forma talentos, mas não os retém; que educa gerações, mas não oferece espaço para que floresçam. A Itália, diz o relatório, “continua em movimento”. Mas esse movimento, hoje, é para fora.
