dom. nov 9th, 2025

Sombras de Nápoles: Diana e as bruxas do mar – O templo perdido sob as pedras

Antes dos sinos e das igrejas, antes mesmo de São Gennaro e das catacumbas, Nápoles era um território de deuses antigos. E deusas, sobretudo. No coração de sua colina mais antiga, onde hoje se ergue o bairro de Pizzofalcone, os arqueólogos encontraram fragmentos de um templo dedicado a Diana, senhora da lua, da caça e dos segredos femininos.

Mas o tempo, como o mar, cobre o que quer. O que resta de Diana sobrevive apenas nas histórias sussurradas. E nas lendas das janare, as bruxas do mar.

Diana – ou Ártemis, para os gregos – era a deusa dos bosques e dos ciclos lunares. Guardava os limiares: a noite, a fronteira entre a vida e a morte, a passagem do nascimento e do sangue.
Quando os colonos gregos chegaram ao monte Echia, trouxeram consigo o seu culto.

O templo de Diana teria sido erguido com pedras de outros santuários, e, segundo alguns estudiosos, parte dessas colunas foi reaproveitada séculos depois na construção de torres e igrejas próximas ao litoral.

Mas os antigos de Nápoles sempre souberam que as deusas não desaparecem; apenas mudam de rosto. O culto à lua, reprimido e esquecido, renasceu entre as mulheres do povo: parte magia, parte fé, parte sobrevivência.

Séculos depois, quando o cristianismo dominava a cidade, o nome de Diana sobreviveu transformado em janara, derivado de Dianara, “a mulher de Diana”. As janare tornaram-se figuras noturnas: mulheres misteriosas que conheciam as ervas, os ventos e os feitiços.

Diz-se que habitavam as margens do mar, entre Vietri, Amalfi e Positano, assim como nos becos de Nápoles, especialmente nas noites de lua cheia. Entravam nas casas pelas fechaduras, soltavam os cabelos sobre as vítimas adormecidas, e sussurravam palavras que misturavam desejo e maldição.

Mas, ao contrário das bruxas do norte europeu, as janare não eram servas do diabo. Eram guardiãs antigas, herdeiras de um saber pagão: conheciam as marés, os ciclos femininos e os poderes do luar. Na cultura popular, eram temidas e, ao mesmo tempo, respeitadas.

As histórias das janare são, de certa forma, histórias de resistência feminina.
Durante séculos, em uma sociedade dominada por homens e pela Igreja, essas mulheres mantiveram vivas práticas ancestrais: rezas, poções, rituais de proteção. Misturavam o latim das missas com o dialeto das ruas, e assim criaram uma religiosidade paralela, mais íntima, mais visceral.

Os padres as chamavam de feiticeiras; o povo as procurava em segredo.
Diziam que podiam curar febres, quebrar invejas e amansar corações. Que bastava deixar uma corda trançada no peitoril da janela para se proteger da visita delas. Ou, ao contrário, para convidá-las a entrar.

Em Pizzofalcone, há uma torre antiga, construída com pedras de templos desaparecidos. Alguns acreditam que entre elas estão fragmentos do santuário de Diana. O lugar vibra de uma energia estranha, como se guardasse memórias que o tempo não conseguiu apagar.

À noite, dizem, o vento que sopra dali tem um som diferente, um lamento suave, ou talvez um cântico.
Alguns moradores ainda acendem velas discretas na janela nas noites de lua nova, “para saudar as mulheres antigas”, como dizem. Porque em Nápoles o passado nunca é só passado: é uma camada viva sob as pedras, pronta a despertar.

O mito de Diana e das janare une dois elementos essenciais da alma napolitana: o mar e a lua, o masculino e o feminino, a razão e o mistério. É o equilíbrio que sustenta a cidade desde a sua origem.
Diana é a guardiã das fronteiras. E Nápoles é, desde sempre, fronteira: entre o visível e o invisível, o sagrado e o profano, o Mediterrâneo e o submundo.

Quando o luar toca o golfo e o Vesúvio se desenha em sombra, dizem que é o olhar de Diana que retorna lembrando que, sob o asfalto e os ruídos modernos, a cidade ainda pertence à noite e às suas mulheres encantadas.

Nota da Redação: este que você acabou de ler é o segundo episodio da Rubrica “Sombras de Nápoles”, serie de matérias de Jornal Itália que convida o leitor a uma viagem por doze semanas através dos mitos, lendas e segredos esotéricos de Nápoles.
Próxima sexta-feira o terceiro episodio!



Compartilhar:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *