qua. nov 5th, 2025

O lápis que arranhava o poder: adeus a Giorgio Forattini

Morreu Giorgio Forattini, o mais célebre e controverso chargista italiano do pós-guerra. Com seu traço afiado e uma ironia corrosiva, ele retratou cinquenta anos da vida política e social do país, transformando a sátira em uma linguagem cotidiana, direta e implacável. Nascido em Roma em 14 de março de 1931, Forattini faleceu em Milão em 4 de novembro de 2025, aos 94 anos.

Depois de estudar no liceu clássico e iniciar, sem concluir, o curso de Arquitetura, começou nos anos 1970 a publicar charges que rapidamente se tornaram um fenômeno cultural. Em uma Itália acostumada ao editorial e ao comentário escrito, Forattini levou a sátira gráfica para a primeira página — não como adorno, mas como opinião. Colaborou com jornais históricos como La Repubblica, onde a partir de 1984 publicou uma charge por dia, e foi um dos fundadores da revista satírica Il Male, celeiro de irreverência e experimentação.

Suas caricaturas eram reconhecíveis à primeira vista: figuras deformadas, olhos saltados, corpos desproporcionais — e uma precisão cirúrgica ao capturar os tiques, ambições e vícios dos poderosos. Bettino Craxi virava uma paródia de Mussolini, D’Alema um Lenin de bigodinho hitleriano, Berlusconi um Atlas de cuecas. Ninguém escapava, e suas charges — como a do referendo sobre o divórcio de 1974, em que Amintore Fanfani é lançado ao ar por uma garrafa de espumante com o rótulo “NO” — entraram imediatamente no imaginário popular.

Forattini pagou caro por sua liberdade: foi processado, condenado, atacado. Mas nunca deixou de desenhar. Defendia uma sátira sem patrões, alérgica aos partidos e ao poder, capaz de criticar “qualquer um que se leve a sério demais”. Dizia de si mesmo: “Detesto o integralismo. Não suporto partido algum.” E, de fato, seu lápis nunca poupou ninguém.

Em 2023, ele doou à Triennale de Milão seu arquivo com dez mil obras, consolidando o reconhecimento de sua produção como patrimônio cultural. Esse gesto resumiu uma vida dedicada a retratar a Itália por meio da deformação, da ironia e do riso amargo. Para Forattini, a charge não era apenas uma piada visual: era um ato político, uma forma de desmascarar hipocrisias e devolver ao público o direito de rir do poder.

Com sua morte, vai-se não apenas um desenhista, mas um pedaço da memória coletiva. Suas charges permanecem como espelhos deformantes que refletem um país contraditório, apaixonado e muitas vezes tragicômico. A sátira italiana, a partir de agora, está um pouco mais órfã. Mas toda vez que uma charge acertar em cheio, haverá ainda um eco de seu lápis rindo de canto de boca.

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