Entre o drama humano e a perda simbólica, Roma amanheceu em luto. O colapso parcial da Torre dei Conti, um dos marcos medievais mais emblemáticos da Cidade Eterna, deixou feridas profundas: tanto nas pedras que guardavam séculos de história quanto nas vidas que trabalhavam para restaurá-las. O operário Octay Stroici de 66 anos, resgatado com vida após 11 horas sob os escombros ao término de uma operação de salvamento complexa, infelizmente não resistiu aos ferimentos.
O desabamento – sobretudo em sua estrutura interna, enquanto as paredes externas permaneceram em grande parte de pé – fez com que o mundo voltasse os olhos para o coração de Roma, onde o passado e o presente se misturam hoje entre poeira e consternação.
O monumento: uma fortaleza que desafiou séculos
A Torre dei Conti é um dos marcos mais antigos e misteriosos da Roma medieval. Seu nome vem da poderosa família Conti de Segni, à qual pertencia o Papa Inocêncio III, que a ampliou em 1204 com um duplo objetivo: erguer um símbolo visível do poder da Igreja e proteger as procissões papais que iam de São Pedro ao Latrão.
O núcleo original da torre, porém, remonta a 858 d.C., quando Pietro dei Conti de Anagni decidiu construí-la sobre uma das exedras do antigo Templo da Paz, edificado pelo imperador Vespasiano. A lenda popular dizia que suas pedras vinham do Coliseu: uma prova da forte ligação entre o monumento e a Roma antiga.
O projeto foi atribuído ao escultor e arquiteto Marchionne Aretino, e a torre, originalmente revestida com travertino retirado dos Fóruns Imperiais, chegava a quase 60 metros de altura. Era tão imponente que Petrarca a chamou de “Turris illa toto orbe unica” (aquela torre única em todo o mundo).
Com o passar dos séculos, a Torre dei Conti sofreu o impacto de terremotos devastadores (em 1348, 1630 e 1644) e de uma série de saques arquitetônicos. As pedras de travertino que a revestiam foram arrancadas no século XVI para construir a Porta Pia, obra de Michelangelo.
No fim do século XVII, o Papa Alexandre VIII mandou reforçar a estrutura com dois poderosos contrafortes, reduzindo sua altura original aos 29 metros atuais, mas garantindo sua sobrevivência. Apesar disso, a torre foi abandonada por longos períodos, transformando-se em depósito de carvão, celeiro e até abrigo de animais.
Durante o Reino da Itália, a torre escapou das grandes demolições urbanas que abriram a Via Cavour e, mais tarde, dos cortes feitos para criar a Via dei Fori Imperiali sob o regime fascista. Em 1937, Benito Mussolini a doou à Federação Nacional dos Arditi da Itália, um grupo de veteranos de guerra. No salão interno do antigo Templo da Paz, foi criado o Mausoléu dos Arditi, onde até hoje repousa o corpo do presidente da federação, Alessandro Parisi, morto em um acidente em 1938.
As obras e as investigações
O canteiro onde ocorreu o colapso está sob sequestro judicial. A Promotoria de Roma abriu uma investigação, inicialmente pelos crimes de lesões culposas e desastre culposo. Será designada uma perícia técnica para determinar a causa exata do desabamento.
De acordo com a Soprintendenza aos Bens Culturais de Roma, o colapso teve início no contraforte central do lado sul, provocando o desabamento parcial da base e, em seguida, de parte da escada interna e do piso de cobertura.
A torre estava fechada desde 2007 e fazia parte do programa de recuperação histórica financiado pelo Pnrr “Caput Mundi”, com um investimento total de 6,9 milhões de euros. O projeto previa obras de consolidação estrutural, restauro conservativo, instalação elétrica e hidráulica, acessibilidade, além da criação de um centro de visitantes e espaços expositivos dedicados à história dos Fóruns Imperiais.
Ainda segundo a Soprintendenza, o primeiro lote de obras – iniciado em junho de 2025 e quase concluído, no valor de cerca de 400 mil euros – incluía a remoção de amianto e trabalhos preliminares. Antes da intervenção, haviam sido realizadas análises estruturais, testes de carga e perfurações para verificar a estabilidade do edifício, cujos resultados indicaram condições seguras para o prosseguimento das obras.
Hoje, com parte de sua estrutura em ruínas, a Torre dei Conti lembra que a história não é feita apenas de glória, mas também de fragilidade. De fortaleza papal a observatório de Galileu Galilei, de celeiro a mausoléu fascista, a torre já viu impérios surgirem e caírem. Agora, ferida, espera mais uma vez ser salva. Porque em Roma, cada pedra tem memória. E cada ruína, uma promessa de renascimento.
Da glória papal ao fascismo: as muitas vidas e historias da Torre dei Conti, tragicamente desmoronada

