Há viagens que mudam a paisagem; e há aquelas que mudam a alma. A Sicília no outono, quando o sol se abranda e a terra respira fundo, pertence inegavelmente à segunda categoria. Esta não é uma jornada para turistas apressados, mas sim um convite à lentidão, à contemplação dos sabores raros e da resiliência humana.
É na estação da colheita que a ilha revela seu coração generoso e dramático, um palco onde a tradição culinária encontra a agricultura mais teimosa e heroica. Prepara-se para embarcar em uma experiência sofisticada, guiada não pelo mapa, mas pelo olfato, celebrando as 23 Denominações de Origem Controlada (DOCs) que fazem da Sicília um tesouro vinícola.
Nossa primeira lição de paciência nos leva a Pantelleria, uma ilha forjada pelo vento e pela lava. Aqui, o ato de cultivar a videira é uma reverência. O clima não permite árvores, apenas arbustos que se aninham em covas rasas, escavadas na terra escura.
Este método, batizado de “agricultura heroica” e reconhecido como Patrimônio Imaterial da Humanidade pela UNESCO, exige que cada passo seja dado à mão. Os agricultores, guardiões de um saber que remonta aos fenícios, protegem as uvas dos ventos impiedosos para nos presentear com os Moscato e Passito Pantelleria DOC. Beber um gole desse néctar doce é sentir a força telúrica e a doçura conquistada com o esforço de quem se curva à natureza. É, em essência, beber a alma da ilha.
A Sicília, com seus 2,8 milhões de hectolitros de produção vinícola, é uma força da natureza. Nas encostas do Monte Etna, onde o solo vulcânico empresta uma mineralidade inconfundível, a uva encontra sua expressão mais elegante.
Contudo, é nas planícies que reside o rei: o Cerasuolo di Vittoria DOCG. O único com a certificação máxima da ilha, este vinho de cor rubi oferece uma complexidade aromática que evoca cerejas, frutas vermelhas e romãs. Seu caráter rosso equilibrado é o acompanhamento perfeito para as cores quentes do outono.
Mas não se limite ao óbvio. Explore os vinhos das áreas DOC menos faladas: o encanto ancestral do Marsala, a delicadeza floral do Malvasia delle Lipari ou a robustez do Mamertino di Milazzo. Cada nome é um convite para estender a estadia.
Mas o encanto siciliano vai além da taça.
Nos mercados e vilas, cada produto é um capítulo de uma história que atravessa séculos. As alcaparras das ilhas Eólias, colhidas ainda em botão, são dessalgadas, temperadas e servidas “cunzati”, com alho, orégano e azeite — um aperitivo que parece conter o sal do mar e o silêncio das rochas.
As azeitonas — Biancolilla, Cerasuola, Nocellara del Belìce — transformam-se em azeites extravirgens de textura aveludada e perfumes verdes. Cada região orgulha-se de sua própria DOP, como se fosse um brasão de família: Monti Iblei, Val di Mazara, Valli Trapanesi, Etna.
O azeite na Sicília não é um condimento. É uma linguagem.
E quando falamos em singularidade, nada supera o pistache de Bronte. Colhido de dois em dois anos (em anos ímpares, como 2025), ele é uma celebridade gastronômica. Para o paladar sofisticado, a dica é atentar ao formato alongado e à semente de um verde-esmeralda intenso, coberta por uma película vermelho-rubi. É uma prova visual de sua autenticidade vulcânica.
Como desfrutar de tanta riqueza? A Sicília oferece dois caminhos, ambos igualmente encantadores:
- O Êxtase da Festa Popular: Para o espírito mais festivo, o outono é o momento dos sagre (festivais). A imperdível Ottobrata Zafferanese, em Zafferana Etnea, dedica cada domingo de outubro a uma iguaria diferente. É o lugar para encontrar, lado a lado, méis raros, cogumelos porcini frescos, maçãs do Etna e a singular cotognata (geleia feita com um raro marmelo local).
- O Silêncio de Montalbano: Alternativamente, adote a sabedoria do inspetor literário Montalbano. Visite as putìe — as charmosas lojas locais — e selecione suas azeitonas mpassuluti (secas e temperadas), o azeite Monti Iblei DOP e um bom nougat. Depois, sente-se à mesa, na quietude de um terraço ensolarado.
Viajar pela Sicília é também compreender o valor do tempo.
Nada aqui é apressado. Cada gesto — da poda das videiras à extração do azeite — é um ritual. A generosidade da ilha vem da convivência entre natureza e humanidade. E talvez seja isso que a torna tão inesquecível: o fato de que tudo o que se come e se bebe carrega uma história.
Uma história feita de mãos calejadas, de olhares pacientes e de uma certa sabedoria antiga: a de que as coisas bem-feitas precisam de tempo.

