Tudo começou com um erro. Ou melhor, com um improviso. Uma noite parisiense do século XIX, um salão elegante, uma bandeja de sobremesas a caminho da nobreza… e o caos. O sorvete estava derretendo — e ninguém queria ver um mar de creme escorrendo por luvas de renda ou coletes de veludo. A solução? Dois biscoitos. Um em cima, outro embaixo. Um gesto rápido, quase um reflexo. Nascia ali, entre o requinte e a necessidade, um dos formatos mais geniais da história da gastronomia: o sorvete de biscoito.
O homem por trás do golpe de mestre? Alessandro Tortoni, um napolitano cheio de astúcia e talento, que trocou os becos de Nápoles pelas luzes de Paris e virou referência no Café Napolitaine, no Boulevard des Italiens. Em 1803, sua combinação de creme gelado de rum e biscoitos amaretti prensados entre duas camadas crocantes virou febre. Não só pela textura ou pelo sabor — mas porque não sujava ninguém. Um luxo discreto, ideal para ser degustado no teatro ou em salões perfumados.
Tortoni talvez não soubesse, mas criava ali um novo paradigma do prazer gelado: portátil, elegante e lúdico. De Paris, o sorvete recheado conquistou Milão (onde o próprio Stendhal se via dividido entre suas versões preferidas) e, aos poucos, percorreu o mapa europeu em incontáveis variações: o Fürst-Pückler-Schnitte na Alemanha, o Bastani e-nooni no Irã, recheado com pistache, açafrão e água de rosas. E, claro, o boom industrial italiano, com os inesquecíveis Fortunello, Cucciolone e Maxibon, símbolos de gerações inteiras.
Mas seria injusto resumir essa história a nostalgia de freezer. O sorvete de biscoito está mais vivo do que nunca. Nas sorveterias artesanais da Itália, ele se reinventa com orgulho e criatividade. Em Bolonha, a Cavour aposta em sabores como pistache e bacio, enquanto a Mascarella produz versões sem glúten com biscoitos feitos à mão. Em Florença, a La Sorbettiera transforma o doce em um “azulejo” prensado entre bolachas delicadas. Em Roma, o clássico Gentilini vira protagonista do sanduíche gelado da Gelato San Lorenzo. Em Palermo, versões mini, com recheios de frutas, remetem às delícias do passado — sem perder o frescor da invenção.
O que une todas essas versões? Um segredo herdado de Tortoni: a fusão perfeita entre textura, sabor e praticidade. Um equilíbrio tão simples quanto genial. E é isso que o torna, até hoje, irresistível — seja mordido de uma vez ou lambido com paciência.