Uma assembleia plenária acalorada do Conselho Geral dos Italianos no Exterior (CGIE) em Roma revelou um profundo descontentamento com a recém aprovada lei que limita a transmissão da cidadania italiana por direito de sangue a apenas duas gerações. Conselheiros de diversas partes do mundo confrontaram o vice premiê e ministro das Relações Exteriores, Antonio Tajani, nesta segunda-feira (16), exigindo mais diálogo e uma revisão da medida que, segundo eles, causa confusão e frustração entre as comunidades italianas fora da Itália.
A reunião, realizada na sede do Ministério das Relações Exteriores, tornou-se palco para a defesa de Tajani à reforma, que ele classificou como “necessária” para combater fraudes e “colocar ordem” nos consulados. “Em muitos países se vendia a cidadania italiana. Havia agências que forneciam documentos falsos. Existiam os ‘black fridays’ da cidadania na Argentina e no Brasil”, declarou o ministro, enfatizando que “a cidadania é uma coisa séria” e que “muita gente lucrava com a italianidade”.
Choque de visões sobre a cidadania e a exclusão do CGIE

Apesar da postura inflexível de Tajani, que admitiu que o texto é “aperfeiçoável” e que “tudo é melhorável” , a secretária-geral do CGIE, Maria Chiara Prodi, vocalizou as preocupações dos conselheiros. Prodi defendeu uma abordagem mais inclusiva e transparente para a legislação, criticando veementemente a exclusão do CGIE das discussões que levaram à nova lei. “As decisões foram tomadas sem nossa participação, e são decisões que causam confusão e frustração nas nossas comunidades”, afirmou.
Prodi ressaltou que a cidadania sempre foi uma prioridade do CGIE, que já vinha desenvolvendo uma proposta mais “linear”: “uma lei da cidadania que reconheça até a terceira geração e que demonstre um vínculo verdadeiro com a Itália através da cultura”. A secretária-geral reiterou a importância de uma escuta ativa das comunidades em decisões sobre pertencimento e identidade, ao mesmo tempo em que rejeitou qualquer “ataque à dupla cidadania” e pediu esclarecimentos sobre a “transmissibilidade” do direito.
Abuso da “Italianidade” versus vínculo cultural
Tajani, por sua vez, defendeu que a nova lei “acabou com as fraudes”, citando casos de “pequenos municípios [na Itália] onde a maior parte dos italianos são pessoas brasileiras [de origem]” e a descoberta de que “muitos no exterior se tornaram italianos graças a um mesmo antepassado”. Para o ministro, “a cidadania não é só ter um passaporte no bolso. Algo precisava ser feito”. Ele reforçou que “era hora de acabar com os abusos”
No entanto, o CGIE contrapõe que a nova lei, ao condicionar a transmissão da cidadania a “muitas variáveis”, gera disparidades de tratamento entre compatriotas. Para o conselho, a questão da cidadania não deveria ser reduzida exclusivamente a um estatuto jurídico, mas sim ligar-se à consciência e ao vínculo identitário efetivo com o país, que passa pelo conhecimento da língua, da cultura e de noções constitucionais.
Próximos passos e encontro com o Presidente
Os 63 conselheiros do CGIE continuarão os debates sobre a nova lei da cidadania, a segurança do voto no exterior e os incentivos ao retorno à Itália até o dia 20 de junho em Roma. Nesta terça-feira (17), os conselheiros terão uma audiência de alto nível, sendo recebidos pelo presidente da República, Sergio Mattarella, no Palácio do Quirinal. Este encontro pode representar uma oportunidade crucial para que as preocupações das comunidades italianas no exterior sejam ouvidas em uma esfera ainda mais elevada do governo italiano.
A tensão entre o governo e as comunidades no exterior, evidenciada nesta assembleia, sublinha a complexidade de equilibrar a necessidade de combater abusos com a importância de preservar os laços e o direito de pertencimento de milhões de descendentes de italianos espalhados pelo mundo.