Há um lugar no coração de Milão onde, todos os dias, centenas de pessoas param, riem, se equilibram em uma perna e começam a girar sobre si mesmas. Não é uma coreografia improvisada: é o famoso ritual do touro na Galleria Vittorio Emanuele II, um dos gestos mais icônicos e misteriosos da cidade.
O touro escondido no “salão” de Milão
No piso da Galleria, o majestoso corredor do século XIX que liga a Piazza del Duomo à Piazza della Scala, entre mármores, mosaicos e vitrais, há um pequeno símbolo que chama mais atenção do que qualquer vitrine de luxo: um touro. Ele está representado no mosaico próximo ao Octógono central e, há mais de um século, é o centro de uma tradição que mistura superstição, história e ironia.
O gesto supersticioso
O ritual é simples: coloca-se o salto direito sobre os testículos do touro e faz-se uma volta completa sobre si mesmo, de preferência sem perder o equilíbrio. Alguns dizem que basta uma volta; outros juram que são necessárias três para garantir sorte. O resultado? Um afundamento visível no mosaico, desgastado pela passagem de milhões de sapatos.
Da sorte à vingança simbólica
Mas por que justamente ali, e por que um touro?
O animal representa Turim, antiga rival de Milão, e é um dos brasões que decoram o piso, junto aos de Roma, Florença e da própria Milão. Por trás do gesto supersticioso, porém, esconde-se uma pitada de ironia — e talvez um pouco de rancor histórico.
Segundo a tradição, tudo remonta a 1848, quando os milaneses, após expulsarem os austríacos durante os Cinco Dias de Milão, ofereceram a cidade ao rei piemontês Carlo Alberto de Savoia. Mas o monarca, poucos meses depois, assinou um armistício com a Áustria, devolvendo Milão ao inimigo. A partir daí, os milaneses se sentiram traídos, e “pisar nas bolas do touro” tornou-se uma forma de vingança simbólica contra Turim e os Saboias.
Entre ironia e superstição
Com o tempo, o significado político se perdeu, mas o gesto permaneceu: um pequeno ritual de sorte, um ato supersticioso, uma foto obrigatória para quem visita a cidade.
Hoje, girar sobre o touro não é apenas uma maneira de “atrair a sorte”, mas também de se sentir parte, ainda que por um instante, de um costume tipicamente milanês que une história, ironia e superstição.
E vai saber… talvez, com um pouco de equilíbrio e uma boa girada, a sorte realmente apareça.


