A primeira impressão, ao ver a fachada singela da Igreja, não revela o espetáculo que aguarda lá dentro. A verdadeira surpresa se manifesta ao entrar no corredor que leva à Capela dos Ossos. Aqui, as paredes, os nichos e até as portas são adornados com milhares de crânios e ossos humanos. Contudo, o que poderia ser grotesco se revela uma disposição meticulosa e artística, quase como um “memento mori” em estilo rococó, onde a elegância e a simetria prevalecem sobre qualquer sensação de horror.
Os ossos pertencem a pacientes do antigo hospital, a religiosos e a pessoas enterradas no cemitério adjacente ao longo dos séculos. Acredita-se que essa “decoração” macabra, mas artística, foi concebida por monges locais no século XVII, após uma reconstrução da igreja que sofreu um incêndio em 1712. A intenção era, provavelmente, evocar a brevidade da vida terrena e a inevitabilidade da morte, incentivando a reflexão sobre a vida eterna.
Olhe para cima e contemple o teto da capela: um magnífico afresco de Sebastiano Ricci, um notável aluno de Tiepolo, representa o “Triunfo das Almas” ou a “Apoteose de um Santo”, com anjos e nuvens em voo. Esse contraste sublime entre a leveza celestial do teto e a densidade terrena das paredes de ossos cria uma experiência visual e emocional única, convidando à meditação sobre a dualidade da existência.
Lendas que ecoam e uma irmã além-fronteiras
A Igreja de San Bernardino alle Ossa não vive apenas de sua história visível; ela também é palco de lendas que ecoam pelos séculos. A mais arrepiante delas narra que, a cada 2 de novembro, Dia dos Mortos, os ossos de uma jovem ali sepultada ganham vida e convidam os demais esqueletos para uma dança macabra dentro da capela, cujos ruídos poderiam ser ouvidos do lado de fora. Uma lenda que adiciona uma camada de mistério e fascínio ao local.
E a singularidade de San Bernardino alle Ossa inspirou a realeza! Em 1738, o Rei D. João V de Portugal visitou a capela e ficou tão profundamente impressionado que ordenou a construção de uma réplica em seu próprio reino. Assim, nasceu a famosa Capela dos Ossos de Évora, em Portugal, hoje um dos monumentos mais visitados do país, com sua famosa inscrição “Nós ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos”. É uma conexão intrigante que liga Milão a terras distantes através da arte funerária e da reflexão sobre a mortalidade.
A Igreja de San Bernardino alle Ossa é um lembrete vívido de que a beleza pode ser encontrada nos lugares mais inesperados e que a história se manifesta de formas que transcendem o convencional. Para o visitante em Milão, é uma oportunidade ímpar de mergulhar em uma experiência cultural e espiritual que vai muito além das vitrines e dos museus tradicionais, oferecendo uma perspectiva inovadora sobre a vida, a morte e a arte. Uma visita que certamente ficará gravada na memória.
