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Itália: boom do uso de crianças nas redes sociais para promover produtos

Nos últimos anos, a Itália tem testemunhado um crescimento significativo do fenômeno em que crianças, desde os primeiros anos de vida até a pré-adolescência, aparecem ativamente nas redes sociais como parte integrante de conteúdos promocionais e de marketing. Fizemos uma análise dessa tendência: o que é, quais são as motivações, os riscos e as implicações para a comunicação e a ética.

O que é o fenômeno

Uma pesquisa realizada pela Terre des Hommes Itália, em colaboração com o Instituto de Autorregulação Publicitária (IAP) e a ALMED – Alta Escola em Mídia, Comunicação e Espetáculo da Universidade Católica do Sagrado Coração, revelou que 80% dos conteúdos dos perfis de “family influencers” analisados envolvem crianças com menos de 5 anos.

As análises indicam que em cerca de um terço dos conteúdos promocionais as crianças são “parte ativa” da publicidade: desembrulham presentes, experimentam produtos, apresentam objetos. Paralelamente, o uso de smartphones e redes sociais entre os mais jovens está em forte crescimento: por exemplo, entre as crianças de 6 a 10 anos na Itália, cerca de 1 em cada 3 (32,6%) utiliza o dispositivo diariamente.

Também o grupo de 11 a 13 anos apresenta uma forte presença nas redes: 62,3% já têm uma conta.

Na prática, crianças e pré-adolescentes não apenas frequentam diariamente os ambientes digitais, mas em muitos casos são integrados em campanhas de influência e promoção, muitas vezes através dos perfis dos pais (“family influencers”) ou de contas dedicadas.

Quais as motivações desse crescimento?

Vários fatores convergem para explicar o aumento da presença infantil na comunicação promocional nas redes sociais:

Acesso precoce e ampla visibilidade digital

Com o uso crescente de smartphones, tablets e plataformas sociais entre os mais jovens, marcas e criadores de conteúdo identificam nas crianças não apenas um público, mas também um “conteúdo” visual poderoso: a espontaneidade, a inocência e o cotidiano dos pequenos geram engajamento. O aumento do uso entre os mais novos cria o terreno fértil para isso. Exemplo: uma grande porcentagem de crianças de 6 a 10 anos utiliza o smartphone diariamente.

A criança como “porta-voz autêntico”

Comparadas aos adultos, as crianças transmitem uma sensação de genuinidade e naturalidade muito valorizada nas redes: “a criança experimenta o brinquedo”, “a menina abre o pacote”, “meu filho reage assim ao produto”. Esse veículo emocional, em plataformas como Instagram, TikTok e YouTube, tem alto poder de persuasão.

Family influencers e a monetização do “mundo casa/família”

Os perfis de pais influenciadores (ou que se tornam influenciadores) envolvem a família, os filhos, a rotina doméstica, o que leva à criação de conteúdos que misturam vida cotidiana e promoção comercial. Os pais monetizam, e as crianças se tornam parte integrante da narrativa. Nesse sentido, a presença das crianças não é acessória, mas central na dinâmica promocional. Na pesquisa citada, crianças abaixo de 5 anos estavam presentes em uma porcentagem elevada dos conteúdos analisados.

Estratégia de marketing voltada ao “consumidor família” e ao “fator insistência”

As crianças não apenas consomem, mas influenciam as decisões de compra dentro da família, algo amplamente documentado em estudos sobre o “pester power” ou “nag factor”. Além disso, incluir crianças em conteúdos promocionais serve para atingir não só o pequeno consumidor, mas também todo o núcleo familiar, com pais e irmãos que assistem, compartilham e compram.

Economia das plataformas e visibilidade viral

As redes sociais favorecem o emocional, o cotidiano, o lado humano: vídeos com crianças, brincadeiras e momentos familiares geralmente geram alto engajamento, visualizações e compartilhamentos. Isso estimula ainda mais agências e marcas a incluir os pequenos nas campanhas.

Regulamentação ainda em evolução e oportunidade de mercado

Na Itália está surgindo um debate normativo sobre as “baby influencers” e a proteção de menores no ambiente digital. Enquanto não existir uma regulamentação plenamente consolidada, algumas práticas tendem a se difundir rapidamente.

Quais os riscos e criticidades

Em primeiro lugar, a proteção da privacidade e do consentimento: crianças com menos de 5 anos não podem expressar consentimento informado. O fato de estarem envolvidas em conteúdos promocionais levanta questões éticas e jurídicas.

Outro ponto é a superexposição e a pressão social: a aparição frequente nas redes pode afetar a percepção de si mesmas, e a superexposição pode ser estressante ou gerar comparações precoces.

Há também o risco de confusão entre conteúdo orgânico e publicidade: quando crianças apresentam produtos em contextos familiares, pode ser difícil distinguir entre vida real e patrocínio, o que gera o risco de publicidade disfarçada.

Além disso, existe o impacto sobre o desenvolvimento infantil: o uso intensivo das redes e a constante presença “em vídeo” podem afetar hábitos, tempo livre e brincadeiras “offline”. Dados italianos mostram um aumento significativo do tempo conectado entre menores de 10 anos.

Por fim, há o risco de desigualdade e consequências para a reputação futura: os conteúdos permanecem online, com implicações para a privacidade e a imagem futura do menor.

Quais as implicações para a comunicação, o marketing e os costumes

As marcas e os profissionais da comunicação devem considerar que trabalhar com crianças implica maiores responsabilidades: transparência, consentimento informado, proteção da privacidade e equilíbrio entre monetização e cuidado.

Do ponto de vista cultural, estamos diante de uma nova forma de infância midiatizada: as crianças deixam de ser apenas espectadoras e se tornam protagonistas digitais em evolução. Isso altera a representação da infância na sociedade.

É necessária, portanto, maior alfabetização digital para pais e famílias: entender como gerenciar a presença online dos filhos, estabelecer regras de uso e interpretar o fenômeno das “baby influencers”.

As regulamentações (em nível nacional e europeu) estão se tornando mais rigorosas: por exemplo, na Itália discute-se um projeto de lei que eleva a idade mínima para o acesso às redes sociais e introduz regras específicas para os influenciadores mirins.

O contexto educacional e institucional também deve atuar: não apenas com restrições, mas com ferramentas, guias e programas formativos para crianças, pais e escolas.

A Itália está vivenciando um verdadeiro “boom” no uso de crianças nas redes sociais com fins promocionais. Motivações econômicas, digitalização precoce, visibilidade viral e novas formas de marketing se entrelaçam com questões éticas, educativas e sociais.

A presença de crianças em conteúdos publicitários tende a crescer, mas exige um alto grau de consciência de todos os envolvidos — famílias, marcas e instituições — para garantir que essa evolução não se traduza em exploração ou exposição descontrolada.

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