ter. dez 23rd, 2025

Expresso Sicília: o portal mágico que a Netflix abriu para um dilema bem real

A Netflix vende Expresso Sicília como uma comédia natalina com um toque de fantasia. O portal mágico que liga Milão à Sicília está lá, é verdade. Mas ele é só o pretexto, um truque narrativo simpático para falar de algo bem menos espetacular e infinitamente mais conhecido: a impossibilidade de estar inteiro quando se vive dividido.

Salvo Ficarra e Valentino Picone sabem exatamente do que estão falando. Não escrevem sobre migração interna como quem observa de fora, mas como quem carrega a mala sempre pronta. Seus personagens trabalham no norte, vivem no norte, pagam as contas no norte, mas emocionalmente continuam com o relógio ajustado ao sul. O portal aparece quase como uma provocação infantil: e se desse para não escolher?

Não dá.

É nesse “não dá” que a série encontra seu melhor humor. Não o riso alto, mas aquele sorriso enviesado que surge quando alguém diz em voz alta o que todo mundo pensa e evita admitir. Expresso Sicília entende que o verdadeiro conflito não é geográfico. É moral. Cada travessia cobra um preço: a ausência justificada, o retorno desconfortável, o afeto que vira cobrança disfarçada.

O Natal, aqui, não é cenário de redenção, é campo minado. Reuniões familiares nunca são neutras, e a série não finge que são. As ceias têm mais tensão do que ternura, mais expectativa do que acolhimento. E isso é justamente o que as torna reconhecíveis. Não há trilha empurrando emoção, nem discursos finais explicando o sentido da vida. Há silêncios, olhares, aquele cansaço específico de quem ama e se sente em dívida ao mesmo tempo.

A fantasia entra e sai da narrativa com a mesma naturalidade com que a saudade invade um dia comum. O portal não resolve nada e ainda bem. Se resolvesse, a série seria apenas agradável. Ao se recusar a oferecer conforto fácil, Expresso Sicília ganha densidade. Ela entende que crescer, às vezes, é aceitar que certas escolhas não têm versão ideal.

A Sicília que aparece aqui não é a do folheto turístico, mas a do pertencimento emocional: o lugar que não precisa ser perfeito para ser insubstituível. Milão, por sua vez, não é vilã, é necessidade. E a série é madura o bastante para não demonizar nenhuma das duas.

Com episódios curtos e escrita precisa, Ficarra & Picone entregam uma comédia delicada, melancólica e surpreendentemente honesta. Expresso Sicília não quer aquecer o coração, quer cutucá-lo levemente, como quem pergunta: você foi embora… mas voltou de verdade?

Talvez essa seja a pergunta mais natalina de todas.

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