O debate sobre a cidadania italiana voltou com força total ao centro da política nacional, reacendendo tensões dentro da coalizão governista de centro-direita após o fracasso do referendo que buscava flexibilizar o processo de naturalização de imigrantes. Em meio a esse cenário, o vice-premiê e ministro das Relações Exteriores, Antonio Tajani, da Forza Italia, defendeu nesta terça-feira (10) a retomada do projeto de lei que propõe a concessão de cidadania a filhos de imigrantes que estudam e vivem na Itália — o chamado ius scholae.
A proposta, segundo Tajani, pretende corrigir lacunas legais sem comprometer o rigor no processo de aquisição da nacionalidade. “Apresentamos um projeto de lei porque, para nós, a cidadania é coisa séria. Nossa proposta é séria, e vamos seguir em frente”, declarou o chanceler, em entrevista ao jornal Il Tempo. Ele lembrou ainda que parte da iniciativa já foi acolhida pelo governo, com medidas que corrigiram irregularidades na concessão de cidadania em consulados italianos.
O que é o ius scholae
O princípio do ius scholae — ou “direito escolar” — prevê o reconhecimento da cidadania italiana para menores estrangeiros nascidos no país ou que tenham chegado antes dos cinco anos de idade, desde que tenham residido ininterruptamente por ao menos dez anos e completado o ciclo escolar obrigatório até os 16 anos.
Atualmente, a legislação italiana só permite que filhos de imigrantes nascidos em território nacional adquiram a cidadania ao completarem 18 anos — um modelo baseado no ius sanguinis (direito de sangue), consagrado na Lei nº 91 de 1992. No entanto, no início deste mês, o governo liderado pela premiê Giorgia Meloni aprovou um decreto que restringiu ainda mais essa via, permitindo a transmissão automática de cidadania apenas para descendentes diretos (pais ou avós nascidos na Itália).
Referendo fracassado e divisões na coalizão
A ofensiva de Tajani ocorre logo após o malogro do referendo realizado nos dias 8 e 9 de junho, que propunha reduzir de dez para cinco anos o período de residência legal exigido para que estrangeiros pudessem solicitar a cidadania. Embora a maioria dos votantes (65,34%) tenha apoiado a mudança, a abstenção foi alta: apenas 30% dos eleitores compareceram às urnas — abaixo do quórum mínimo de 50% para validar a consulta.
O resultado reabriu fissuras dentro da coalizão de centro-direita. Matteo Salvini, líder do partido nacionalista Liga e também vice-premiê e ministro da Infraestrutura, foi categórico: “Parece-me que os referendos esclareceram isso. Mesmo na esquerda, a lei italiana está boa do jeito que está”. Em entrevista ao Corriere della Sera, Salvini criticou duramente a insistência da Forza Italia no ius scholae, chamando a proposta de “atalho errado” e classificando os referendos como “ideológicos e inúteis”.
Uma batalha dentro do próprio governo

Apesar da resistência de Salvini, Tajani insiste que a reforma está prevista no programa da coalizão. “O ius scholae se refere apenas aos migrantes regulares. É uma forma de tornar a concessão da cidadania séria”, afirmou. Ele também rebateu as críticas da Liga: “Se alguém é contra, deve justificar sua posição. E, em todo caso, é preciso ler o programa de centro-direita para 2022. O ponto 6 prevê exatamente isso. Foi aprovado por todos.”
Segundo o ministro, a proposta da Forza Italia é até mais severa do que a legislação atual, pois exige não só residência contínua, mas também um histórico escolar completo. “Hoje, com dez anos de residência, é possível solicitar a cidadania. Para nós, só quem frequentou a escola por dez anos e com aproveitamento deve ser considerado”, afirmou.
Apoio da oposição e alternativas legislativas
A proposta da Forza Italia tem despertado apoio de setores da oposição. Carlo Calenda, líder do partido Azione, declarou estar disposto a votar a favor da medida: “Se Tajani apresentar o projeto à Câmara, votaremos a favor, e a esquerda também, se estiver realmente comprometida com a questão da cidadania.”
O Movimento 5 Estrelas (M5S), por sua vez, voltou a defender sua própria proposta sobre o tema, mais flexível que a de Tajani. O projeto do M5S prevê a concessão de cidadania para menores estrangeiros nascidos ou chegados à Itália antes dos 12 anos de idade, desde que tenham frequentado escolas italianas por pelo menos cinco anos ou obtido uma qualificação profissional.
“O ius scholae é uma solução civilizada e necessária. Vamos ver se as palavras se traduzem em ação”, declarou o ex-premiê e líder do M5S, Giuseppe Conte, em nota. Ele lembrou ainda que há aproximadamente 900 mil estudantes sem cidadania na Itália que poderiam ser beneficiados com a nova lei.
Um impasse ainda longe do fim
Enquanto Tajani tenta levar adiante uma proposta que busca modernizar a legislação de cidadania, o clima na coalizão governista é de desconfiança e divisão. Salvini mantém sua postura inflexível e aproveita o fracasso do referendo como argumento para frear qualquer avanço na pauta.
Com a pressão de setores da sociedade civil, da oposição e de parte da base aliada, o futuro da reforma da cidadania permanece incerto. Resta saber se o Parlamento italiano conseguirá superar as divergências internas e avançar em direção a uma legislação mais inclusiva — ou se o tema voltará, mais uma vez, a ser soterrado pelo peso da polarização política.