ter. nov 4th, 2025

Cidadania italiana: 22 juízes integram a força tarefa ‘online’ para zerar fila em Veneza

A cena parece saída de um filme, mas é o retrato fiel da burocracia italiana: pilhas de processos, prazos apertados cobrados por Bruxelas e um tribunal tentando drenar uma enchente de pedidos com recursos limitados. Depois da reforma introduzida pelo Decreto Tajani, que endureceu as regras para o reconhecimento da cidadania italiana – cujos efeitos em termos de redução de pedido ainda não são percebidos – o Tribunal de Veneza (e muitos outros) continua à beira do colapso. São 19 mil ações civis paradas, a maioria movida por ítalo-descendentes em busca do direito de sangue. O que define a situação de crise.

Por que a pressa? A Itália precisa cumprir metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Recuperação e Resiliência (PNRR), um amplo programa de reformas e investimentos financiado pela União Europeia. O país só recebe os recursos se alcançar, dentro dos prazos, uma série de objetivos concretos, como a redução do tempo de duração dos processos civis e a eliminação do acúmulo de causas antigas. Em termos práticos, isso significa que o sistema judiciário italiano precisa acelerar e muito – o ritmo das decisões, sob pena de perder parte dos financiamentos bilionários do plano.

Para tentar reagir, o Tribunal de Veneza lançou uma estratégia de emergência: 22 magistrados atuando à distância, conectados de cidades como Turim, Florença e Crotone.
Eles deverão trabalhar em tempo integral até junho de 2026, revisando e assinando sentenças digitais. O objetivo é reduzir drasticamente o número de processos acumulados, especialmente os ligados à cidadania italiana. Cada juiz deverá emitir cerca de 50 decisões, distribuídas entre as quatro seções civis (Primeira, Segunda, Empresa e Trabalho). Além dos casos de suas especialidades – como falências, sucessões ou direito trabalhista – os magistrados lidarão também com centenas de ações de cidadania consideradas de definição mais simples.

De acordo com o relatório judicial de 2025, 80% das novas ações e 80% das pendentes em Veneza envolvem imigração e cidadania. O volume é tão grande que o tribunal se tornou o mais sobrecarregado da Itália. O Ministério da Justiça havia planejado uma força-tarefa de 500 juízes, mas apenas 212 aceitaram o convite, e 165 foram efetivamente nomeados. O que fez com que Veneza recebesse apenas um terço do reforço inicialmente previsto. Até junho deste ano, a redução no tempo de tramitação dos processos civis ficou em 20,1%, metade do objetivo prometido à União Europeia. Para tentar compensar, tribunais de outras cidades – como Brescia, Ancona e Nápoles – começaram a adotar o mesmo modelo remoto.

Outro fator que deve acelerar o andamento é a substituição de audiências presenciais por notas escritas, mecanismo previsto no Código de Processo Civil italiano.
Além disso, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) avalia autorizar juízes de paz – que atuam normalmente como magistrados honorários com processos menos delicados – a analisar parte dos casos de cidadania, o que poderia aliviar a carga das varas civis especializadas.

Para quem vive no Brasil e acompanha de longe os trâmites na Itália, o novo modelo traz uma mistura de esperança e cautela. De um lado, o reforço digital e os juízes ‘remotos’ podem encurtar prazos e tornar as decisões mais rápidas. De outro, o ritmo ainda está longe do ideal, e o “engarrafamento jurídico” continua enorme.

Enquanto a Itália corre contra o relógio para não perder os recursos do PNRR, milhares de ítalo-descendentes seguem na fila, esperando ver reconhecida uma herança que é, antes de tudo, de sangue e de história, e agora, depende da velocidade da Justiça e da estabilidade de uma conexão remota.

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One thought on “Cidadania italiana: 22 juízes integram a força tarefa ‘online’ para zerar fila em Veneza”
  1. Minha sentença que reconhecem
    Meu direito a Cidadania saiu em julho/2024 e até hoje quando acesso o processo só aparece annotazione e nada de finalizar… um caos.

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