sáb. out 4th, 2025

Caso Tagliaferro: Justiça italiana abre caminho para possível extradição

O assunto Eduardo de Oliveira Tagliaferro em Torano Castello, na Calábria, trouxe à tona um dos casos judiciais mais delicados dos últimos anos envolvendo relações entre Brasil e Itália. A Corte de Apelação de Catanzaro, reunida em 30 de setembro de 2025, decidiu impor ao investigado medidas cautelares de permanência obrigatória no município cosentino e proibição de deixar o território nacional, além da retirada imediata de seu passaporte. Trata-se de um passo decisivo dentro de um processo de extradição que poderá marcar não apenas o destino pessoal do acusado, mas também as dinâmicas jurídicas e políticas entre os dois países.

Segundo os autos encaminhados pelo Ministério da Justiça do Brasil, Tagliaferro é acusado de ter repassado informações consideradas sigilosas a um jornalista da Folha de S. Paulo, que posteriormente vieram a público em meio a um momento político já sensível no país. As conversas envolviam magistrados do Supremo Tribunal Federal e remontam ao período em que Luiz Inácio Lula da Silva exercia a Presidência da República, entre 2003 e 2010. Curiosamente, o mesmo Lula voltou ao cargo em janeiro de 2023, contexto que torna a divulgação desses diálogos ainda mais sensível. Para a acusação, a divulgação teria tido como objetivo enfraquecer a imagem do presidente e, de forma mais ampla, colocar em xeque a confiança nas instituições democráticas brasileiras.

A dimensão internacional do caso ganhou corpo quando, em 31 de julho de 2025, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, assinou um mandado de prisão contra Tagliaferro, até então residente na Itália. Poucas semanas depois, em 25 de agosto de 2025, o governo brasileiro formalizou junto a Roma o pedido de extradição com base no tratado bilateral de 1989, ratificado por ambos os países em 1991. Foi a partir desse momento que a polícia criminal italiana intensificou os esforços para localizá-lo, encontrando-o no pequeno município de Torano Castello, onde vivia de forma discreta. A partir de então, os carabinieri de Rende, sob comando do capitão Andrea Aiello, passaram a monitorar seus movimentos para impedir qualquer tentativa de fuga.

A Corte de Catanzaro reconheceu que existem indícios consistentes de responsabilidade, mas optou por medidas restritivas menos gravosas em vez de prisão preventiva. Na decisão, os juízes ressaltaram que não se verificam, por ora, impedimentos jurídicos à extradição segundo o artigo 705 do Código de Processo Penal italiano e o tratado internacional vigente. No entanto, a defesa terá espaço para contestar a legalidade e a legitimidade da solicitação brasileira, alegando eventuais falhas procedimentais, riscos de violação de garantias constitucionais ou até possíveis conotações políticas no processo.

Mas afinal, quem é Eduardo de Oliveira Tagliaferro? Nascido em São Paulo, construiu sua carreira dentro das instituições judiciais brasileiras. Formado em Direito, chegou a ocupar posição de confiança como assessor no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde foi responsável por temas ligados à comunicação e, posteriormente, pela estrutura criada para enfrentar a desinformação durante os períodos eleitorais. Nesse papel, esteve diretamente ligado ao então presidente do TSE, Alexandre de Moraes, figura central na luta contra as chamadas fake news e na defesa da lisura do processo eleitoral. Essa proximidade com as altas cortes deu a Tagliaferro acesso a discussões internas e informações de relevância institucional, o que, segundo a acusação, teria sido explorado de maneira ilegal.

A defesa do brasileiro, conduzida pelos advogados Pieremilo Sammarco, Ferruccio Mariani e Pasqualino Maio, sustenta que não existem provas diretas de que ele tenha entregue documentos ou gravações sigilosas a jornalistas. Para seus patronos, o processo apresenta um risco de instrumentalização política, uma vez que se insere em um contexto mais amplo de disputas institucionais entre setores do Judiciário e correntes políticas críticas à atuação de Moraes e do STF.

O caso de Tagliaferro, portanto, transcende a esfera penal e toca em um debate mais amplo sobre liberdade de imprensa, proteção de informações de Estado e limites da atuação judicial no Brasil. O fato de que os supostos vazamentos ocorreram em um período marcado por tensões políticas apenas aumenta o alcance do processo. No Brasil, a oposição acusa Moraes de centralizar poderes excessivos e de tentar controlar o discurso público sob a justificativa de combater a desinformação, enquanto os defensores de sua atuação ressaltam a necessidade de proteger as instituições contra ataques coordenados que visam desestabilizar o sistema democrático.

A Itália, agora, torna-se palco de uma disputa jurídica que tem ressonância muito além das fronteiras calabresas. Nos próximos meses, a Corte de Apelação deverá analisar em profundidade as condições da extradição, verificando se os crimes imputados encontram correspondência no ordenamento italiano e se há garantias suficientes de que Tagliaferro será submetido a um processo justo no Brasil.

Enquanto isso, a figura discreta do ex-assessor do TSE, que há anos havia deixado a vida pública brasileira e se estabelecido em uma pequena cidade do sul da Itália, tornou-se repentinamente centro de uma intrincada trama de direito internacional, política e diplomacia. A decisão final sobre seu destino poderá se transformar em um precedente importante na cooperação judicial entre Brasil e Itália e, ao mesmo tempo, reabrir feridas ainda abertas no debate político brasileiro.

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