ter. nov 25th, 2025

Adeus a Ornella Vanoni, a voz que sabia transformar cada palavra em um carinho

ByMauro Fanfoni

24 de novembro de 2025 ,

Ornella Vanoni morreu no sábado (22), em sua Milão. Para quem amou sua voz, suave como um abraço, irônica como um olhar de lado, frágil e ao mesmo tempo indomável, a notícia não parece dizer respeito apenas a uma artista, mas a todo um modo de contar a vida. Milão parece mais silenciosa: como se o trânsito tivesse perdido um acento, ou os bondes já não tivessem aquele ritmo secreto que ela conseguia transformar em música.

Vanoni foi muitas vidas em uma só. Atriz inquieta no Piccolo Teatro, intérprete sofisticada das “canções da malavita”, dama elegante da canção de autor, figura pública capaz de unir popularidade e pudor, distância e proximidade. Tinha uma graça natural ao atravessar as épocas sem persegui-las: deixava que fossem elas a correr atrás de sua personalidade, nunca igual, nunca previsível.

No imaginário musical italiano, permanecerá também seu vínculo luminoso com o Brasil. Quando encontrou Toquinho e Vinicius de Moraes, não adotou simplesmente uma nova sonoridade: acolheu um modo diferente de respirar. A bossa nova entrou em sua voz como um vento quente, e ela aprendeu a fazer as palavras oscilar como uma linha de onda, suspensa entre melancolia e sorriso. Com eles, construiu um diálogo artístico que ainda hoje parece vivo: violões que brilham como areia, frases que escorrem suaves, pausas que dizem mais do que as palavras.

Ornella possuía um talento raro: transformar cada canção em uma história, e cada história em uma emoção reconhecível e jamais banal. Isso se percebia quando cantava L’appuntamento, música que se tornou quase sua sombra luminosa. Aquelas notas faziam o mundo desacelerar; parecia que tudo ao redor parava para ouvir. Em sua voz sempre houve um equilíbrio delicado entre elegância e cotidiano: sabia aliviar o que era pesado e dar profundidade ao que parecia leve.

Nos últimos anos, falava frequentemente da morte com uma sinceridade desarmante, sem drama nem retórica. Descrevia-a como uma etapa prevista, uma porta que mais cedo ou mais tarde se abre. “Quero ser cremada e jogada no mar”, dizia, sem hesitação, com a clareza de quem fez as pazes com o tempo.

Ela se foi assim, durante a noite, com uma discrição coerente com sua ideia de elegância: sem alarde, sem cena, deixando como herança um arquivo vivo de emoções que continuarão a se mover pelas casas, pelos rádios, pelas memórias. Sua voz permanecerá ali, entre sorriso e melancolia, como um carinho que dispensa explicações. Ornella Vanoni partiu, mas a maneira como nos ensinou a sentir as coisas permanecerá para sempre.

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