qua. jun 18th, 2025

Ndrangheta: O polvo criminoso que estrangula a Itália e mira a Ponte do Estreito

Um documento recém-divulgado pela Direção de Investigação Antimáfia (DIA) lança luz sobre uma ameaça persistente e insidiosa: o avanço silencioso, mas implacável, da ‘Ndrangheta sobre as estruturas econômicas e institucionais do Estado italiano. O Relatório de Atividades da DIA em 2024, apresentado na Sala de Imprensa Estrangeira, revela que a máfia calabresa não apenas mantém suas raízes históricas em Reggio Calabria, como também estende seus tentáculos por toda a Itália — e além — através de uma teia de alianças, intimidações e infiltrações estratégicas.

Máfia e obras públicas: A mira na Ponte sobre o Estreito

Um dos principais pontos de preocupação levantados no relatório é o interesse da ‘Ndrangheta em grandes obras públicas, com destaque para a Ponte sobre o Estreito de Messina, projeto bilionário que ligará a Sicília ao continente. A diretora da DIA, Michele Carbone, anunciou que os contratos da ponte serão monitorados de perto, uma medida preventiva em face da histórica inclinação da máfia em infiltrar grandes projetos de infraestrutura.

Infiltração Generalizada: Da Coleta de Lixo à Saúde Pública

Segundo o relatório, a máfia calabresa tem demonstrado interesse crescente em setores sensíveis da administração pública, como empresas hospitalares e serviços de recolha de resíduos. Essa movimentação aponta para uma tentativa clara de controlar fluxos financeiros locais, posicionando-se como “parceira oculta” da gestão pública, muitas vezes em conluio com empresários dispostos a burlar leis para obter vantagens.

A coleta de lixo, tradicionalmente vulnerável à corrupção e à terceirização, aparece como um dos alvos preferenciais, devido à sua natureza contínua e necessidade de contratos volumosos e regulares. Já o sistema hospitalar, pressionado por orçamentos e licitações complexas, oferece oportunidades de contratos públicos superfaturados e empregos fantasmas, frequentemente utilizados como moeda política.

Um modelo de negócio baseado na cumplicidade

A ‘Ndrangheta não opera apenas por meio da intimidação. O relatório destaca que, em diversas regiões da Itália, empresários preferem colaborar com a organização mafiosa em vez de denunciá-la. Ao “legalizar” a extorsão com faturas falsas e práticas tributárias distorcidas, os empresários tornam-se cúmplices, não vítimas, sustentando um ciclo de silêncio e impunidade.

A geopolítica da máfia: Expansão nacional e internacional

Apesar de sua base histórica na Calábria, a ‘Ndrangheta opera em uma escala internacional, com centros de decisão que atuam fora da região de origem, mas que ainda dependem da legitimação da cúpula calabresa para tomadas de decisão estratégicas. A estrutura centralizada confere à máfia uma solidez hierárquica, que permite tecer alianças com outras organizações criminosas, como a Cosa Nostra da Sicília.

O relatório menciona um acordo operacional entre a ‘Ndrangheta e a Cosa Nostra da cidade de Gela, com foco na gestão do narcotráfico, além de colaborações logísticas com a comunidade Sinti no Piemonte, que incluem a guarda e aquisição de armas.

Violência intimidatória: O preço do confronto

Em sua terra natal, a ‘Ndrangheta mantém viva a tradição do medo. O ano de 2024 registrou um número significativo de atos intimidatórios contra administradores públicos, policiais, jornalistas e empresários — uma tática conhecida e eficaz para garantir o silêncio e a não interferência nos negócios do clã.

Essa prática evidencia que, embora sofisticada e global, a organização ainda recorre à violência como instrumento de controle territorial — uma realidade que ameaça diretamente a integridade das instituições democráticas.

Balanço de ações: Números da DIA em 2024

O esforço da Direção de Investigação Antimáfia também apresentou resultados significativos:

  • 93 milhões de euros em bens apreendidos da máfia;
  • 160 milhões de euros em bens confiscados;
  • 53 investigações concluídas;
  • 309 medidas restritivas adotadas;
  • 208 interdições antimáfia, sendo 138 fora da Calábria — uma clara demonstração do avanço geográfico da ‘Ndrangheta.

Um Estado em Alerta

O relatório da DIA é um alerta direto às autoridades: a máfia não é uma relíquia do passado, mas um sistema dinâmico, adaptável e economicamente orientado, que atua tanto com violência quanto com estratégia empresarial. Sua atuação na sombra da legalidade exige ações coordenadas, investigações aprofundadas e participação ativa da sociedade civil para interromper o ciclo de corrupção e cumplicidade.

Enquanto o projeto da Ponte do Estreito avança e outras grandes obras são lançadas, a vigilância da DIA será posta à prova. O futuro da legalidade pública italiana pode depender, em grande parte, da capacidade de impedir que a ‘Ndrangheta continue a construir — nas sombras — seus próprios impérios paralelos.

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