qua. nov 26th, 2025

Da Corte dos Médici a Versalhes: o balé que mudou de nacionalidade 

PorGiorgio Riccitelli

25 de novembro de 2025 , ,

Há um paradoxo fascinante na história do balé: ele nasce italiano, se desenvolve italiano, mas acaba sendo considerado quase automaticamente, francês. Uma troca de bandeira silenciosa, ocorrida não por subtração, mas por uma inteligente apropriação cultural.

No coração do Renascimento, a Itália é um laboratório de artes totais. Em Florença, no círculo refinado dos Médici, o balé já é uma linguagem: desenhos coreográficos geométricos, figurinos suntuosos, coreografias que celebram poder e fantasia. Quando Catarina de Médici deixa Florença para se casar com Henrique II da França, não leva apenas joias e intrigas de corte: leva um inteiro imaginário, dançarinos, mestres e a estética do “ballo all’italiana”.

É na França, porém, que o balé deixa de ser um simples divertissement aristocrático para se tornar algo maior: uma instituição. A monarquia francesa, sempre atenta em transformar a arte em diplomacia visual, percebe o potencial da dança como instrumento de disciplina, representação e propaganda.

Depois chega ele: Luís XIV. O Rei Sol, que não apenas dança, mas governa através da dança, funda em 1661 a Académie Royale de Danse, a primeira escola oficial de balé. Com um único gesto, a França faz o que a Itália não imaginava fazer: codifica. Organiza. Registra. Nomeia. Eleva a dança a linguagem de Estado. Nasce a terminologia francesa, as cinco posições, a gramática que até hoje disciplina os corpos dos bailarinos no mundo inteiro.

Enquanto a Itália do século XVII se fragmenta entre cortes, influências externas e gostos variáveis, a França constrói um império cultural sobre aquilo que a Itália havia inventado. Não o rouba: adota, amplia, promove com tamanha eficácia que, em poucas décadas, o balé torna-se inevitavelmente francês.

E, no entanto, basta observar com atenção entre um plié e um arabesque para enxergar a marca da origem. A teatralidade, a fantasia cênica, a tensão narrativa: todas heranças italianas. A França deu ao balé estrutura e identidade nacional; a Itália lhe deu alma e invenção.

O balé mudou de nacionalidade, sim. Mas nenhuma troca de passaporte apaga o lugar onde ele nasceu. Nas pontas afiadas da Ópera de Paris e nos grandes teatros ao redor do mundo, o eco dos Médici ainda ressoa.

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