Hoje, dizer Milão é dizer moda. Mas nem sempre foi assim. Antes de a cidade lombarda conquistar o título de capital italiana (e mundial) do estilo, o centro da moda nacional oscilava entre Turim, Florença e Roma. O que mudou o rumo dessa história foi uma combinação de indústria, cultura e visão — um fenômeno que transformou Milão de cidade operária em capital do glamour, até entrar no seleto grupo das Big Four ao lado de Paris, Nova York e Londres.
Turim, a pioneira esquecida
No século XIX e nas primeiras décadas do XX, Turim era a cidade da elegância por excelência. As alfaiatarias e ateliês aristocráticos serviam a corte sabauda e a alta sociedade. Ali surgiram as primeiras mestras da costura e revistas femininas que antecipavam as tendências parisienses. Mas a moda turinesa permaneceu ligada a uma ideia de elegância “de salão”, pouco adaptável à evolução industrial e aos novos códigos visuais do pós-guerra.
Florença, a ilusão da alta-costura
Após a guerra, foi Florença que se tornou o berço da moda italiana, graças aos desfiles organizados por Giovanni Battista Giorgini na Villa Torrigiani e, depois, no Palazzo Pitti. Essas passarelas, nos anos 1950, lançaram ao mundo nomes como Emilio Pucci, Simonetta, Gattinoni e Fontana. Mas Florença permaneceu ancorada em uma dimensão artesanal e de elite, centrada na haute couture, enquanto o mercado internacional, sobretudo o americano, pedia prêt-à-porter e produção em escala.
Roma, o fascínio do cinema
Nos anos 1960, Roma tentou assumir o protagonismo. O brilho de Cinecittà, com atrizes vestidas por Sorelle Fontana, Capucci e Valentino, fez da capital um palco internacional. Mas a moda romana continuou sendo um fenômeno mais cinematográfico do que industrial — espetacular, mas sem estrutura produtiva sólida.
Milão, a revolução do sistema
Foi Milão, a partir dos anos 1970, que mudou as regras do jogo. A cidade uniu três elementos-chave: indústria, comunicação e design.
- A indústria têxtil lombarda e o polo de Como garantiram capacidade produtiva.
- As novas revistas e agências publicitárias milanesas — de Vogue Italia a Arbiter — criaram uma linguagem visual moderna.
- O fervor do design e da arquitetura (de Armani a Versace, de Missoni a Krizia) deu forma a um estilo metropolitano, essencial e cosmopolita.
Milão deixou de vender apenas roupas para vender um estilo de vida: sóbrio, funcional e internacional. O prêt-à-porter italiano nasceu aqui, onde moda e indústria se encontraram nos desfiles da Milano Fashion Week, inaugurada em 1979. Desde então, a cidade consolidou um ecossistema único, com showrooms, feiras, editoras especializadas e escolas de formação, atraindo talentos do mundo inteiro.
Hoje: a força de um sistema
Hoje, Milão não é apenas uma passarela, mas um sistema integrado que abraça design, arquitetura, fotografia, comunicação e tecnologia. É a cidade onde coleções viram negócios e criativos se tornam empreendedores.
É a prova de que, para ser uma capital da moda, não basta ter estilo: é preciso ter estrutura.

