Entre montanhas e becos medievais do Oltrepò Pavese, o Salame di Varzi DOP é mais do que um produto típico: é cultura, história e identidade de um povo que ainda vive ao ritmo da cura e do vento das colinas.
No coração verde do Oltrepò Pavese, entre colinas e vales onde o tempo parece correr devagar, existe um aroma que domina o ar e define a vida de um vilarejo inteiro: o do Salame di Varzi DOP. Com pouco mais de 3 mil habitantes, Varzi vive em torno desse produto que une tradição, técnica e orgulho local. “Quem vem a Varzi não vem por acaso”, conta Piero Magrotti, dono de um dos salumifici mais antigos do vilarejo. “Aqui, o visitante entende o que é fazer um salame de verdade, cada fatia carrega uma semana de trabalho e seis meses de espera”.
As origens do salame remontam à Idade Média, quando os Longobardos, povo guerreiro com capital em Pavia, trouxeram à região o costume de conservar carne suína com sal e ar seco durante as longas viagens. No século XIII, o produto já brilhava nas mesas dos Malaspina, uma das famílias nobres mais antigas da Itália, símbolo de prestígio e hospitalidade. Com o tempo, o salame se popularizou, tornando-se um ícone da simplicidade italiana: o famoso “pane e salame”.
O segredo está no ar
O segredo do Salame di Varzi está na combinação de carne nobre, paciência e microclima. A receita usa carne suína pesada da Lombardia, Piemonte e Emília-Romanha, com cortes de pernil, paleta, lombo e copa. Os temperos: sal marinho, pimenta em grãos e um toque de alho curtido no vinho Bonarda.
“Em outras regiões o pernil vira presunto, aqui vira salame, e isso só é possível por causa do ar de Varzi”, explica Pierluca Ambrosioni, presidente do Consorzio.
O produto é moído grosso, amarrado manualmente em tripa natural e curado por no mínimo 60 dias, podendo chegar a 180 dias no formato “cucito”, o mais prestigiado. “Podem copiar a receita, mas nunca o nosso ar”, diz Roberta Buscone, que segue a tradição familiar há três gerações.
Da tradição à DOP europeia
O Consorzio del Salame di Varzi nasceu em 1984 e obteve o reconhecimento DOP em 1996, um dos primeiros salames italianos com esse selo de origem. Em 2025, o disciplinar foi revisado e consolidado, após duas décadas de trâmites. “Defendemos a identidade do Varzi diante de Bruxelas”, conta Magrotti. Hoje, o consórcio reúne 12 produtores, de pequenas oficinas familiares a indústrias médias como o Vecchio Varzi, que fabrica mais de 400 mil unidades por ano.
Em Varzi, o salame não é apenas tradição — é economia. O vilarejo vive de turismo gastronômico, restaurantes, lojas típicas e do festival anual do salame, realizado todo mês de junho.
“Nos fins de semana chegam famílias de Milão e Gênova. Compram salame, almoçam e levam vinho. Isso movimenta todo o comércio local”, explica Magrotti.
O preço acompanha a qualidade: o Salame di Varzi DOP “cucito” ultrapassa 45 euros por quilo, um dos mais caros da Itália. Em 2023, o setor faturou 13 milhões de euros, com mais de 500 mil salames certificados — e a produção continua crescendo.
O futuro da tradição
Entre a inovação e o respeito à herança, os produtores de Varzi buscam um equilíbrio delicado. O Vecchio Varzi modernizou o processo de secagem e embalagem, mas mantém o corte grosso “a faca”. O Consorzio, por sua vez, trabalha com a Universidade de Milão para reduzir o uso de nitritos e atualizar o disciplinar.
E mesmo com a chegada do salame pré-fatiado, o espírito artesanal não se perde. “Até uma bandejinha pode contar a história do nosso território, se for feita com respeito”, resume Roberta Buscone.
Afinal, em Varzi, cada fatia continua sendo um pedaço de tempo, de vento e de alma lombarda.

