Um episódio ocorrido em Rovigo reacendeu o debate nacional sobre segurança e legítima defesa. Um homem de 68 anos, surpreendido à noite por ladrões que invadiram sua casa, reagiu disparando com uma arma legalmente registrada e feriu um dos assaltantes.
O Ministério Público decidiu não abrir investigação contra ele: a ação foi reconhecida como plenamente enquadrada na legítima defesa, conforme a norma em vigor desde 2019.
Esse caso se tornou símbolo de uma mudança profunda na justiça italiana. Graças à reforma introduzida pelo governo Conte I — fortemente apoiada por Matteo Salvini e Giorgia Meloni — hoje a lei estabelece uma “presunção de proporcionalidade” entre defesa e agressão quando o cidadão reage a uma invasão em sua casa ou no local de trabalho.
O que muda com a nova lei italiana?
Até poucos anos atrás, quem reagia a uma agressão corria o risco de ser investigado por excesso de defesa ou até mesmo homicídio culposo. A jurisprudência avaliava caso a caso se a reação era “proporcional” à ofensa, deixando grande margem de interpretação para os juízes.
Com a lei de 26 de abril de 2019, o artigo 52 do Código Penal foi modificado, agora, quando alguém se defende dentro de sua residência ou de seu estabelecimento comercial contra uma invasão violenta ou armada, a reação é considerada automaticamente proporcional, salvo em casos de abuso evidente.
Em outras palavras, se um ladrão entra em casa durante a noite e age com violência, o cidadão não precisa mais provar que agiu em legítima defesa: a lei o protege de forma prévia.
Essa presunção legal reduz a incerteza judicial e oferece maior segurança psicológica a quem se vê forçado a reagir em uma situação de perigo real.
A mensagem política e social
O governo italiano quis enviar um recado claro: a defesa do cidadão honesto vem antes da proteção do criminoso.
Meloni e Salvini destacaram que “a casa é sagrada” e que ninguém deve se sentir culpado por defender a si mesmo ou a sua família.
O tema, porém, continua sensível. Há quem tema que a norma possa legitimar o uso excessivo de armas ou estimular uma cultura de “justiça com as próprias mãos”.
Os defensores da reforma, no entanto, lembram que a lei não autoriza a violência indiscriminada, mas reforça a proteção legal em situações de perigo concreto e imediato.
A comparação com o Brasil: duas visões sobre a defesa pessoal
O Brasil também reconhece a legítima defesa em seu Código Penal, no artigo 25, mas com uma abordagem diferente.
A norma brasileira estabelece que “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente”.
Ou seja, a reação deve ser necessária e moderada: o cidadão precisa provar que não tinha outra alternativa para se proteger.
No sistema brasileiro, portanto, não existe presunção automática de legítima defesa como na Itália. Cada episódio é analisado individualmente, e quem reage pode ainda assim ser investigado até que a Justiça reconheça a legitimidade do ato.
Nos últimos anos, o Brasil também discutiu a ampliação do direito à defesa pessoal. Durante o governo Bolsonaro, foram apresentadas propostas para ampliar o conceito de “legítima defesa da propriedade”, permitindo reagir com arma de fogo contra invasões ou furtos.
Entretanto, muitas dessas propostas não foram aprovadas ou geraram controvérsia, por medo de estimular a violência privada. Outro ponto importante é a chamada “legítima defesa da honra”, uma antiga tese jurídica usada para justificar crimes passionais. O Supremo Tribunal Federal declarou essa tese inconstitucional, marcando um avanço na proteção dos direitos e na distinção entre defesa e abuso.
Dois países, dois equilíbrios
A comparação entre Itália e Brasil revela duas formas distintas de lidar com o mesmo tema:
• A Itália decidiu reforçar a presunção de inocência de quem se defende em casa, transferindo o ônus da prova para quem comete a agressão.
• O Brasil mantém uma visão mais cautelosa, baseada na análise caso a caso e na necessidade de demonstrar que a reação foi realmente necessária e moderada.
Ambos os modelos buscam equilibrar a segurança individual com o controle do uso da força privada.
Mas o caso de Rovigo mostra que, na Itália, a nova lei já tem efeito concreto: o cidadão que defendeu sua vida e sua casa não é mais tratado como culpado, e sim como uma vítima que teve coragem de reagir.

